Pedras Altas, 13 de dezembro de 2040

O primeiro parágrafo do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova rezava assim: 

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional.”

Decorria o ano de 1932. Entre os signatários do Manifesto estava Anísio Teixeira.

Em 2010, fui ao sertão baiano à procura do que restava desse insigne brasileiro. Acolheram-me na casa que foi sua. Mostraram-me o leito em que dormia, o berço que se presumia ter sido o seu, livros e objetos vulgares, que foram tocados pelas mãos de um gênio. À saída, detive-me junto a uma das derradeiras fotos de Anísio – está na melhor companhia a que um educador pode aspirar: crianças.

Em Caetité, encontrei boa gente com muita vontade de melhorar. Mas não resisti a perguntar:

“O que existe de Anísio nas escolas de Caetité? Qual o legado de Anísio, que se faça presente nas práticas escolares?

Respondeu-me um embaraçado silêncio.

Apercebi-me de que os professores brasileiros conheciam Anísio somente de nome. Quase nada teriam lido do muito que escreveu. O tempo aliou-se à incúria dos homens para apagá-lo da memória dos educadores brasileiros. Conheciam Freire de meia dúzia de leituras mal digeridas. Ornamentavam projetos de escola com citações dos mestres, mas não os cultivavam. Na formação, adquiriram vagos contributos de ilustres pedagogos estrangeiros, mas não conheciam a obra de Eurípedes e nunca ouviram falar de Lauro ou de Agostinho.

Foram muitas as horas de viagem pelas estradas do interior da Bahia, vendo garrafas e latas arremessadas por energúmenos, que dirigiam automóveis, ultrapassando em curvas. No rádio do carro, quase tudo era lixo sonoro – na terra de Caymi, Caetano e Bethânia, nem uma só vez escutei as suas vozes. A caminho de Caetité, passei por Brumado. Ali, na margem do São Francisco, o povo sofria de… falta de água potável. O que terá tudo isso a ver com a Educação e com o Anísio?

Procurei na cidade uma lápide ou um busto que o evocasse. Não encontrei. Mistério e silêncio encobriram as circunstâncias da morte de Anísio. Consta que foi encontrado em posição fetal, entre as molas do fosso de um elevador, sem vestígios de com elas ter colidido, numa presumível queda. Talvez com marcas de agressão. Talvez, porque questionar esses tenebrosos tempos era tabu. Ao que parece, sepultaram-no sem que as conclusões de qualquer inquérito fossem dadas à luz. E a luz que Anísio lançou sobre a Educação do Brasil também se extinguiu com ele.  Anísio morreu duas vezes.

Cito o mestre: “O professor prelecionava, marcava a seguir a lição e tomava-a no dia seguinte. Os livros eram feitos adrede, em lições. Os programas determinavam o período para se vencerem tais e tais lições. Exames que verificavam se os livros ficaram aprendidos, condicionavam as promoções. Ora essa escola é inadequada para a situação em que nos achamos.”

Numa pesquisa realizada em 2014, envolvendo cerca de duzentos professores do Distrito Federal, concluímos que eram raros aqueles que tinham lido o “Currículo em Movimento” e ainda menos eram aqueles que o praticavam.

Supostamente, esse documento seria orientador da política educacional do estado. E o maior inspirador desse documento era Anísio, que, em 1934, fazia a crítica da “escola do passado”.

Na Brasília de 2020, a administração educacional ainda impunha a prática de inúteis aulas presenciais e remotas. Teimosamente, insistia no instrucionismo, que Anísio criticara… há quase um século!

Por: José Pacheco