Lajeado, 15 de dezembro de 2040

Queridos netos, depois de uma longa viagem por terras gaúchas, estou de regresso a Brasília, para comemorar com velhos amigos uma data histórica. E, nesta cartinha, voltarei a falar do “Currículo em Movimento”. Espero que a sua leitura não seja maçadora.

Nos idos de vinte, o “Currículo em Movimento” continuava inerte. A secretaria de educação impunha às escolas um modelo educacional fóssil, alheio ao misto de teoria crítica e escolanovismo proposto no documento. Se quiserdes e para entenderdes as contradições entre teoria e prática, poderei enviar-vos o texto. Passá-lo-ei do formato em PDF (que, há muito, deixou de ser utilizado) para um suporte de texto que vós utilizeis. Esse velho documento foi posto em prática nas comunidades de aprendizagem da década de vinte. Aqui vos deixo algumas citações.

“Em 1957, Anísio Teixeira concebeu o Plano Educacional de Brasília. Tratava-se de um plano ousado e inovador, que traria da Bahia a experiência de escola-parque. Não somente: reformaria os currículos vigentes, excluindo temas inadequados e introduzindo ferramentas de ensino mais modernas (…) O programa educacional compreenderia verdadeiros centros para o ensino elementar, composto pelos jardins de infância, escolas classe e escolas-parque. Após a conclusão do ensino secundário, o aluno estaria preparado para ingressar na Universidade de Brasília”.

Reparai que nestes excertos de há quase um século, Anísio nos falava de inovação, de um novo currículo, da utilização de tecnologia e, indiretamente… da abolição do exame de acesso à universidade! Continuemos.

O primeiro dos objetivos de Anísio Teixeira para a educação de Brasília foi o de “fazer escolas nas proximidades das áreas residenciais, para que as crianças não precisassem andar muito para alcançá-las e para que os pais não ficassem preocupados com o trânsito de veículos (pois não teria tráfego de veículos entre o caminho da residência e da escola)”.

Para bom entendedor… Anísio estava alinhado com a proposta das comunidades de aprendizagem do Mestre Lauro. E antecipava em meio século a formulação do conceito de “círculo de vizinhança”. Por que havia necessidade de transporte escolar?

No bairro onde o vosso avô vivia, a secretaria de educação desperdiçava, mensalmente, cerca de um milhão e seiscentos mil reais, para transportar crianças aqui residentes para prédios de escola distantes. Já tínhamos preparado tudo o que era necessário para criar círculos de vizinhança. Inclusive, havíamos enviado à secretaria um projeto de “práticas sustentáveis”, que contemplava a proposta do Anísio. Por que razão essas crianças não ficavam “nas proximidades das áreas residenciais“? O que iriam aprender em prédios distantes, que não pudessem aprender em espaços com potencial educativo, no seu círculo de vizinhança? Nada!

Por que não se cumpria a recomendação do Mestre paladino da justiça social? No domínio das intenções, assim ele era citado no Currículo em Movimento:

“Promover a convivência das mais variadas classes sociais numa mesma escola, seja o filho de um ministro ou de um operário que trabalhava na construção de uma superquadra, tendo como objetivo a formação de cidadãos preparados para um mundo sem diferenças sociais”.

Na prática, ignorando a recomendação, o fosso entre herdeiros e deserdados se aprofundava, sobretudo no decurso da pandemia. Mas, em dezembro de 2020, em novas práticas, educadores do Distrito Federal conferiram coerência ao Currículo em Movimento, recuperaram a memória do Mestre Anísio.

 

Por: José Pacheco