Paranoá Parque, 17 de dezembro de 2040

A noite do dia 16 de dezembro de 2020 transformou-se numa “maratona” de quase quatro horas de duração, durante as quais se deu voz a educadores críticos e resistentes, iniciadores de projetos de mudança. Desse evento vos darei conta, em breve. Por agora, ficai com o primeiro dos capítulos de uma história com muitas e extraordinárias estórias dentro dela. Irei narrar a saga da Comunidade de Aprendizagem do Paranoá, o pioneiro projeto de uma nova construção social de aprendizagem e de educação.

Esse projeto havia nascido gémeo siamês de uma “escola-classe”. Com pouco mais de dois anos de existência, foi tentada a separação. Dois corações pulsavam em comum, dois corpos se assemelhavam, mas com diferentes identidades.

A Renata e a Guiga tentavam dar forma concreta e coerente a uma “escola-classe”, descrita num projeto deturpado e usurpado por “alguém” da secretaria de educação. A Daniella, a Marina e a Janaína retomavam o rumo do projeto inicial, que havia sido interrompido. O projeto da Comunidade de Aprendizagem do Paranoá, mais conhecido por CAP, apresentava-se deste modo:

“Quando a comunidade se constitui como parte atuante da escola, com voz e participação na construção coletiva do projeto político-pedagógico, surge o sentido de pertencimento, isto é, a escola passa a pertencer à comunidade, que, por sua vez, passa a zelar com mais cuidado por seu patrimônio; a escola começa a sentir-se pertencente àquela comunidade e, então, começa a criar, planejar e respirar os projetos de interesse de sua gente, de sua realidade”.

A “Apresentação” da CAP começava com um excerto do documento-base da política educacional da secretaria, o “Currículo em Movimento da Educação Básica”, documento que, até então, tinha sido letra morta. Entre 2015 e 2017 e a pedido da secretaria, um núcleo de projeto se tinha constituído. E, em 2018, o teor do documento começava a ter tradução prática. No ano da pandemia, círculos de vizinhança eram esboçados, o projeto começava a tomar forma. Finalmente!

Nos encontros com as famílias, com a comunidade, com a secretaria e outros órgãos de poder, seria suscitado o debate sobre a ressignificação do espaço escolar, bem como da relação deste com a comunidade. Visava-se materializar princípios e valores, que constavam do projeto e fundamentavam a prática. Refletir-se-ia sobre espaços e tempos de aprendizagem, sobre currículo, procedimentos de avaliação, atividades culturais.

Nesses encontros, era apresentada e explicada às famílias, que desejavam que os seus filhos participassem do projeto, uma proposta de reconfiguração da prática escolar. Estimulava-se o encontro informal de esclarecimento. O fac-símile anexo a esta cartinha fala por si. Envio-o na versão digital de há vinte anos. Ainda guardo o documento em papel. Está bem conservado.

A crise ética, que se instalara no Brasil também era tempo de oportunidades. Seria inevitável o aparecimento de um instinto de verdade honesto e puro. Por isso, vos cito, mais uma vez, um provérbio oriental, que nos diz que “homens fortes criam tempos fáceis; tempos fáceis moldam homens fracos; homens fracos fazem tempos difíceis; mas tempos difíceis produzem homens fortes”.

Em 2020, estava a ser gestada uma nova educação, aquela que os filhos dos filhos dos vossos filhos mereciam. A compaixão e a esperança nunca esmoreceram. A freiriana esperança nunca morrerá. Ela nos continua a suliar.

 

PS.: “suliar” é o termo utilizado no Sul, para designar o “nortear” do Norte, substituindo o termo “orientar” do Oriente.

 

Por: José Pacheco