Farroupilha, 18 de dezembro de 2040
Na entrada de um hotel, li este dístico: “Caro hóspede, devido à triste estatística de três ou quatro toalhas extraviadas por mês, estamos intensificando a revista após o fechamento da sua conta”. O absurdo virara instituição, o desrespeito pela pessoa humana banalizara-se. O Brasil estava imerso numa profunda crise moral.
Uma escola brasileira, que enviava deveres de casa através da internet, prometeu que aqueles alunos que realizassem todas as tarefas seriam recompensados com um ponto extra na média do bimestre. A “inovação” foi um sucesso enquanto durou. Cessou, quando um professor descobriu que as respostas constavam de um site de relacionamento criado por uma aluna. A criativa aluna foi ameaçada e instada a retirar as respostas do site. Os efeitos colaterais da velha escola se faziam sentir. Vivia-se à sombra de falsas moralidades, sutilmente se fomentava a corrupção dos costumes. E – Pasme-se! – contrariamente ao que o senso comum tradicionalmente assumia, os escândalos eram frequentes em períodos de ditadura. Se de mais espaço dispusesse, dar-vos-ia a conhecer muitos exemplos. Porém, não quero gastar muitas linhas com lixo e apenas evocarei o do “Ballet Rose”, divulgado vai para mais de setenta anos. Como já o velho Platão nos avisava, é curta a distância entre a corrupção moral e a tirania. Subprodutos da velha educação, guardiães de “bons costumes” que se reclamavam moralistas eram desmascarados pelo jornal inglês “Telegraph”. Altas figuras do governo de Salazar e da alta sociedade portuguesa estavam envolvidos num escândalo de abuso sexual de menores. Gente da alta sociedade, sustentáculos do regime ditatorial, tinham envolvido crianças de tenra idade em orgias. Inacreditável, mas real! No final do ano que nunca existiu, a comunicação social dava notícia de nobres gestos. Numa cidade da Bélgica, os moradores de uma rua inteira decidiram aprender a linguagem de sinais, para que um vizinho surdo, uma criança de seis anos de idade pudesse comunicar. Entretanto, nos antípodas das boas notícias, o New York Times informava que o site com mais visitas da Netflix estava infestado com material de exploração e agressão a crianças e mulheres, disseminando vídeos de pornografia infantil e de estupros. No 2020, que nunca existiu, assomava à superfície do pântano social, situações de duvidosa moral e puritanismo barato. No início da década de vinte, vivíamos o caos de uma sociedade hedonista, feita de vícios privados e públicas virtudes. A Internet, como se fora um “big brother” generalizado, agredia-nos com boçalidade: “G. exibe barriga sarada em biquíni e web exalta: ‘Que corpo!”. “T. exibe curvas em foto no banheiro, sob o olhar do marido”. “M. posa com body nude e exibe marca de biquíni em decote. Fotos!” “Dançarina posou durante momento de depilação”. “P. esbanja sensualidade e mostra corpão, a bordo, de lingerie”. “S. publica foto nua e impressiona internautas.” Vos garanto que extraí estas “pérolas de jornalismo” da pen drive de que vos falei numa cartinha, à mistura com notícias dos idos de vinte. Na contramão da barbárie, novos arranjos sociais emergiam do caos. Marginal ao exercício de podres poderes, surgia um movimento de vida digna, contrapondo à amoralidade vigente uma moralidade anunciada pelos novos formatos de uma nova escola. Uma nova construção social para uma “nova normalidade” surgia. A crise moral viria a ser civicamente debelada, mas não através da educação hegemonicamente praticada em 2020. Outra educação era possível.
Por: José Pacheco |
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