São Valentim do Sul, 19 de dezembro de 2040
Muito tempo atrás, o Guardian publicou um estudo realizado na London School of Economics, no qual se defendia que o principal objetivo das escolas deveria ser o de ajudar a criar pessoas bondosas e felizes. O estudo recomendava que se intensificasse a educação moral dos jovens, mostrando-lhes que a felicidade não se alcançava quando se concebia o mundo como objeto de satisfação pessoal, mas quando existia preocupação pelo bem-estar do próximo.
Um inquérito realizado junto de pais de alunos de escolas de Belo Horizonte confirmava a conclusão desse estudo. Inquiridos sobre o que mais desejavam que a escola desse aos seus filhos, os pais responderam:
“Mais do que aprender conteúdos, que também é preciso aprender, queremos que os nossos filhos sejam felizes na escola”.
A resposta majoritária só surpreenderia quem não conhecesse, por dentro, as escolas que ainda tínhamos. Nelas reinava a obsessão por uma competitividade que deteriorava a relação e produzia solidão, que o mesmo é dizer, infelicidade. Em contraste com o desejo explicitado pelos pais dos alunos, os projetos político-pedagógicos raramente referiam a felicidade como valor, ou objetivo a alcançar. E as práticas predominantes iam na contramão desse desiderato.
Urgia converter as nossas escolas em espaços de bem-estar, onde não se fragmentasse a realidade, nem se banalizasse gestos de humanidade, num ambiente caracterizado pela serenidade, pelo cuidar. Numa relação de um Eu com um Tu, na qual o professor fosse tão autêntico quanto fosse possível e o Tu não fosse tomado por mero objeto.
Infelizmente, muitos pais agravavam ainda mais os efeitos de uma escola desumanizada, quando convenciam a prole de que a felicidade era um direito adquirido e de que os filhos de tudo eram merecedores sem esforço. Num tempo de inflação hedonista, tornava-se premente a tarefa de aprender a saber lidar com frustrações pessoais.
São de Pestalozzi estas palavras: “O meu coração estava preso às crianças, a sua felicidade era a minha felicidade – elas deviam ler isso na minha fronte, perceber isso nos meus lábios, a cada instante do dia”. E Sopelsa contrapõe: “dificilmente encontramos uma criança que não anseie entrar na escola, cheia de sonhos e fantasias. Mas a maioria das crianças sente a escola como algo que oprime, ridiculariza e discrimina”.
Atingimos um estado de espírito, que pode ser considerado de felicidade, quando aliamos realização pessoal à aprendizagem das coisas, em comum concretizada – a minha realização é realização com os outros. Felicidade é fazer amigos, dar-se sem medida, aceitar e ser aceite, viver em harmonia consigo e com os outros.
“Vamos fazer uma escola feliz” foi o nome que as crianças deram ao primeiro jornal escolar da Escola da Ponte. Com os alunos, compreendemos que havia muitos modos de fazer escolas felizes.
O Nelson chegava à escola pontualmente atrasado. Naquele dia, somente se dignou chegar no fim da manhã. Eu quis saber a razão de tamanho atraso e o Nelson esclareceu:
Olha, professor, nesta noite, ninguém conseguiu dormir na minha casa. Os ratos roeram uma orelha do meu irmão mais pequenino. Ele estava cheio de sangue, gritou muito, e a minha mãe foi com ele para o hospital. Eu tive de cuidar dos meus irmãos novinhos, até ela voltar.
Mas por que não ficaste em casa, a descansar? Por que vieste para a escola, amigo Nelson? – perguntei.
Olha, professor, eu vim porque, quando venho para a escola, pelo caminho, sinto uma coisa cá dentro de mim… Professor, o que eu sinto cá dentro de mim parece mesmo… alegria!
Por: José Pacheco
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