Tapera, 22 de dezembro de 2040
“O correr da vida embrulha tudo. Vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Dizia-nos Guimarães Rosa que a Vida requeria coragem. E coragem foi o que não faltou a quem viria a transformar as suas práticas escolares, no dezembro de há vinte anos – uma nova construção social de educação emergia das cinzas de um ano que nunca existiu.
As escolas careciam de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar e conviver. Os projetos humanos dos idos de vinte requeriam o abandono de estereótipos e preconceitos, exigiam que se transformasse uma escola obsoleta numa escola que a todos e a cada qual desse oportunidades de ser e de aprender, que praticasse “educação integral”.
Anísio Teixeira, a maior referência do “Currículo em Movimento” concebia a ideia de uma educação integral, onde se acolhesse toda a amplitude do ser e se usasse como matéria prima a própria vida:
“Se o nosso interesse é pela vida, aprender significa adquirir um novo modo de agir. Aprende-se através da reconstrução da experiência. Toda aprendizagem deve ser integrada à vida, ou seja, adquirida em uma experiência real de vida”.
Uma portaria publicada pela secretaria de educação, em 2009, estabelecia diretrizes que possibilitavam a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educacionais. Não se tratava apenas de lutar pela melhoria da educação, mas de fazer desse processo uma estratégia para a melhoria da vida das pessoas. Uma nova forma de fazer educação era pensada a partir do contexto da comunidade onde a aprendizagem ocorria, na medida em que transformava positivamente a sua realidade socioambiental.
Numa pesquisa, que coordenei no IBICT, verifiquei que o conceito de comunidade era diverso e difuso, assim como a capacidade da escola de estabelecer ações efetivas com o seu entorno. Para os entrevistados, o fato de a escola acolher alunos de realidades territoriais distintas, não próximas da escola, dificultava o sentido de pertencimento dos alunos ao contexto territorial e impossibilitava a interação da escola com a comunidade de origem dos alunos. A relação entre escola e comunidade mostrava-se precária. A participação das famílias acontecia, quase exclusivamente, em escassas reuniões formais.
Em finais de 2020, um cenário de inovação viria a substituir a velha política educacional praticada pela secretaria de educação e que muito dano provocou. 2021 seria o ano de implantação de protótipos de comunidade de aprendizagem estruturados numa rede. Núcleos familiares se organizaram em círculos de vizinhança, nos quais a aprendizagem presencial – em pequenas aglomerações – se articulava com a aprendizagem por tutoria remota. No decorrer de 2021, esses núcleos de projeto deram origem a “turmas-piloto”, que transmutaram a prática de muitas escolas.
Porque escolas são pessoas, as comunidades eram feitas de pessoas, que participavam na produção conjunta de conhecimento. Aprendia-se na intersubjetividade, numa tripla dimensão curricular e no contexto de uma multiplicidade de espaços. Entre os edifícios das escolas, das igrejas, das habitações, das associações, das empresas, ou nos espaços de lazer, estabelecia-se uma interação humana capaz de concretizar os ODS e de dar sentido ao quotidiano das pessoas, influenciando positivamente as suas trajetórias de vida. Num projeto educacional inovador, os objetivos educacionais da Constituição se concretizavam e o ECA era (finalmente!) respeitado.
Por: José Pacheco
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