Caxias do Sul, 23 de dezembro de 2040

Certamente, todo mundo conhece a história do pescador que, tendo acabado de pescar três peixes, considerava ser alimento suficiente para a família, naquele dia e ia para casa, saborear o dia, saborear a vida. Alguém, contando essa história, acrescentou que esse pescador era um “selvagem”. Mas seria selvagem quem recusava ter a subjetividade industrializada, quem se mantinha alheio aos ditames de uma economia predadora?

Quando me zanguei com o Natal do consumismo, discretamente me ausentava da mesa da Consoada, antes da balbúrdia do desembrulhar dos presentes. A avidez invadia a sala de jantar, o chão ficava juncado de papel rasgado e o ar ficava empestado de irritantes sons de jogos eletrônicos.

Numa crônica de jornal, a minha amiga Rosely falou da febre consumista. A aquisição desenfreada de brinquedos colaborou muito para que o ato de brincar ficasse em segundo plano. Nesse recuado tempo, quando as crianças queriam brincar, não podiam. E, quando podiam, não queriam ou já nem sabiam brincar.

As vitrines das lojas estavam repletas de presentes para o Dia de Natal. Um pai ofereceu um celular de última geração à filha, que acabara de completar cinco anos de idade. O Brasil ocupava o primeiro lugar entre os países do mundo que praticavam cirurgia plástica para jovens. Um jornal noticiava a venda de sutiã com enchimento para meninas de seis anos! Os jovens acreditavam que escolhiam aquilo que usavam e eram manipulados. Quando chegaria o dia em que todas as estações de televisão seguiriam o exemplo daquela que aboliu comerciais nos intervalos de programas destinados à infância?

No auge do triunfo do hedonismo, a felicidade restringia-se à satisfação de desejos reciclados. Para os escravos do consumismo, renunciar a alguma coisa prazerosa parecia significar perda de liberdade. Talvez nunca tivessem olhado os lírios do campo…

Ninguém nascia consumista. O consumismo era um hábito mental instalado. Onde estava a educação para um consumo crítico, inteligente? Quando se ensinaria a consumir, quando se aprenderia a viver? Se isso não se aprendesse na escola, onde e quando os jovens iriam aprender?

Dar a conhecer os perigos do fast food era tão necessário quanto o saber colocar a pontuação correta num texto. Desenvolver a sensibilidade do aluno, de modo a que ele fosse sensível a uma suite de Bach era tão necessário quanto saber fazer multiplicações por dois algarismos.

Os 20% mais ricos da população mundial consumiam 86% de todos os serviços e produtos. Os 20% mais pobres consumiam apenas 1,3%. Os EUA eram 5% da população mundial e utilizavam 25% dos recursos mundiais. Poderíamos ignorar que o crescimento econômico e social, da forma como acontecia, promovia o acúmulo de capital, de modo excludente e com impactos ambientais irreparáveis?

Em 1960, uma cidade brasileira símbolo do desenvolvimento econômico contava com seis livrarias e uma academia de ginástica. Nos idos de vinte, dispunha de mais de sessenta academias de ginástica e só três livrarias. A mesma cidade registava um índice significativo de endividamento dos jovens.

Urgia que os educadores se interrogassem sobre qual seria a relação entre educação e vida sustentável. Ensinávamos os nossos alunos a prevenir a obesidade mórbida, ou a distinguir música de lixo sonoro? Ajudávamos os jovens a defenderem-se da febre consumista? Contribuíamos para que tivessem uma boa qualidade de vida?

Insistindo no óbvio, vos deixo com uma derradeira pergunta: para que houvesse boa qualidade de vida, não seria necessária… uma boa educação?

 

Por: José Pacheco