Lajeado, 28 de dezembro de 2040
Estávamos no final da última década do século XX, quando o ministério da educação resolveu aplicar uma prova da chamada “avaliação aferida”.
Na Ponte não se fazia prova. Na nossa escola, eram produzidas “evidências de aprendizagem”, praticava-se avaliação. Mas, os jovens deveriam tomar contato com o tipo de teste, que iria ser utilizado. Pedi a uma amiga, professora de outra escola, um dos testes, que ela costumava aplicar.
No “Preciso de ajuda / Posso Ajudar”, escrevi o convite para um encontro – a quem quisesse saber, eu explicaria o que era uma “prova”. Fiz algumas cópias do documento – aquilo que os brasileiros chamam “xerox” ~ e, no dia seguinte, pouco antes do horário combinado, já os jovens estavam à minha espera, na sala da “Iniciação”.
Distribuídas as “provas”, expliquei que deveriam responder às perguntas de interpretação, resolver umas questões de gramática e redigir uma composição escrita.
“Só isso, Professor Zé?” – perguntaram.
“Só isso” – respondi, acrescentando que disporiam de cinquenta minutos para completar a “prova”.
“Porquê cinquenta minutos, Professor Zé?”
“Não sei” – respondi que já tinha feito a mesma pergunta a professores que davam aula e que nenhum me soube dizer o porquê. Alguns diziam que eram cinquenta minutos porque “sempre tinha sido assim”. Pesquisando, eu viria a descobrir que nem sempre “tinha sido assim”, mas, os colegas auleiros não se interessaram pela minha descoberta.
Pedi que começassem a “prova”. Não tardou que houvesse braços erguidos. Perguntei se ainda havia dúvidas. E o diálogo se instalou como passo a expor.
“Não é uma dúvida. Este pedaço de texto foi tirado do “Cavaleiro da Dinamarca”, não foi?”
Aqueles jovens não usavam manuais didáticos. Liam as obras completas dos autores preferidos. E tinham lido as obras da Sophya.
“Veja esta pergunta: “O que foi que o cavaleiro viu ao longe?”. Temos de escrever nestas cinco linhas o que está no primeiro parágrafo: “O cavaleiro viu a casa de onde partira etc. etc.?”
“Sim, tereis de escrever isso”.
“Não, Professor! Vou escrever “ler o primeiro parágrafo”, sem perder tempo a copiar.”
Poupo-vos à descrição completa de um peculiar diálogo, indo ao fundo da questão. Encostei-me a uma mesa e avisei os alunos de que já tinham passado quase dez minutos e que só dispunham de quarenta para completar o exercício.
“Professor, o que está aí a fazer, parado? Vá trabalhar. Diga-nos para onde vai, que, quando chegar aos cinquenta minutos, nós lhe levaremos as provas já feitas”.
Respondi que teria de ficar na sala.
“Porquê?” – quiseram saber. E eu fiquei sem saber o que responder. Até que um aluno, que tinha chegado recentemente à Ponte, vindo de outra escola, se manifestou:
“Na outra escola, os professores ficavam na sala, quando fazíamos prova”
“Para quê?” – retorquiram os outros alunos.
“Para não deixar colar” (ou “copiar”, como se diz em Portugal).
Os jovens se voltaram para mim:
“Professor Zé, o que é “colar”?
O que poderia responder? Que, um professor ficava “vigiando prova”, no pressuposto que os alunos eram potencialmente desonestos?
O não verbal falava mais alto do que o verbal. Embora estivesse calado, o professor-vigia transmitia valores: falsidade, abastardamento, mentira, envilecimento, degenerescência. Também através da “prova”, o instrucionismo fomentava a… corrupção. Talvez fosse essa uma das razões por que, nos idos de vinte, uma administração educacional infetada pela corrupção intelectual e moral ainda impusesse, à margem da lei e impunemente, a prática do velho modelo instrucionista.
Por: José Pacheco
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