Caminha, 29 de janeiro de 2041
Já se vai fazendo tempo de voltar à minha mátria, ao meu país tropical. Mas, antes de partir, não quis deixar de vir à foz do Rio Minho, contemplar o pôr do sol. A Natureza se exibe de modo inigualável, mesmo em pleno Inverno. Foi aqui que, há, mais ou menos uns quarenta anos, recebi um certo convite. A memória de um velho recua décadas em escassos segundos, e não resisto a contar-vos mais uma estória.
Recebi convite para realizar uma palestra, acompanhado do pedido do “texto da comunicação”. Respondi que aceitaria o convite, mas que não poderia enviar o tal “texto da comunicação”. Expliquei que estabelecia o diálogo e que, somente após escutar perguntas, eu poderia ensaiar respostas. Não poderia adivinhá-las e escrevê-las.
Não me fiz entender. Eis a resposta:
“Todos os palestrantes enviam as suas comunicações”.
Compreendi que não poderia constituir exceção e enviei esta mensagem:
“Junto envio um texto. Se apenas pretendeis que eu suba num palco, para ler um texto, peço que alguém com boa dicção, o leia. Podereis pagar ao leitor os honorários que, eventualmente, me destinásseis. Assim, evitarei fazer duas cansativas viagens de dez horas cada e vós evitareis a despesa com reserva de hotel e dos voos”.
Não obtive retorno.
Muito tempo atrás, compreendi que não deveria continuar a reproduzir o modo como se adestrava professores, em cursos e palestras. O instrucionismo anulava a possibilidade de interrogar e de dialogar. Produzia condicionantes socioculturais impeditivas da plena realização do ser humano.
Nesses recuados tempos, os palestrantes estabeleciam a sequência e o ritmo da preleção. Papagueavam teoria requentada, que qualquer pessoa poderia ler num livro, ou na Internet. Não aproveitavam oportunidades de fazer mediação entre o saber constituído e as preocupações daqueles que os procuravam.
Cansei-me de assistir a parlações, que não se encaixavam no hic et nunc da minha prática. Talvez porque nenhum dos palradores tivesse posto em prática as “boas práticas”, que recomendavam aos professores. Nas preleções, divulgavam as suas teses, repositórios de citações de citações. Reproduziam o conteúdo de livros, que tinham publicado, e até aproveitavam para os vender e autografar.
Nos idos de setenta, já era bem conhecido o meu hábito de erguer o braço e perguntar, interrompendo entediantes palestradores. No início de uma fala, o orador de serviço perguntou:
“Está aqui um professor chamado Pacheco?”
Ergui o braço.
“José Pacheco?” – confirmou.
“Sim” – confirmei.
“Pode sair” – e apontou para a porta.
“Por que não poderei participar?” – questionei.
“Porque me avisaram de que o senhor faz perguntas” – retrocou.
“Mas, não é isso que os palestrantes recomendam? Não falam do “sujeito de aprendizagem”, de “aprendizagem dialógica”? Então…?”
“Então, o quê?” – contestou o palestrante, visivelmente irritado.
“Então, não saio!” – concluí.
Após a segunda pergunta sem resposta – o palestrante me ignorava – interrompi aquele erudito papaguear com uma pergunta sobre a obra de Giroux. Respondeu que, naquela palestra, só falaria sobre Bordieu. E continuou a leitura do power point. Por respeito ao “papagaio” e aos seus passivos ouvintes, fui embora.
Nas minhas conversas com professores – a que também chamavam “palestra” – perante perguntas, cuja resposta constava dos meus livros, remetia para a sua leitura. Não fazia sentido que eu desperdiçasse tempo a papaguear aquilo que escrevi e publiquei. Se os publiquei, foi para me dispensar de repetir respostas, foi para que os lessem… e os questionassem.
Por: José Pacheco
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