Algures, em 3 de fevereiro de 2041
Cada círculo de vizinhança estava inserido num território com características próprias, específico, sem formato único. Organizavam-se em comunidades de aprendizagem. O prédio da escola de referência não sofria implosão. Nele se estabelecia um espaço de acompanhamento remoto, por via de uma plataforma digital de aprendizagem. Nele eram acolhidos círculos de proximidade. E, sempre que necessário, o prédio se transformava numa ágora, onde se encontravam agentes educativos das comunidades.
As aprendizagens aconteciam em “territórios educativos” físicos, em encontros presenciais, em pequenas aglomerações. E, sempre que necessário, com recurso à via remota. O espaço de aprender era todo o ambiente físico e social. Nele interagiam sujeitos de aprendizagem, refazendo as suas histórias de vida.
Nos círculos de vizinhança, não havia professores, nem alunos. Havia o que o Augusto chamava “agentes comunitários de educação”, tutores e sujeitos de aprendizagem. O currículo era tridimensional, tendo por referência a base nacional. Partia-se da definição de aprendizagens essenciais, a que se juntavam saberes populares. E se aprendia – todos aprendiam bem melhor e mais rapidamente! – uns com os outros, freirianamente mediatizados pelo mundo.
Durante a pandemia, diretores de escola diziam-se pressionadas pela secretaria e ameaçavam de reprovação os alunos que não assistissem às aulas online, ou não fizessem as “atividades”. Não importava que as crianças não dispusessem de computador, ou de acesso à Internet. Nem que as mães faxineiras só disponibilizassem o celular no final do dia, que o celular não suportasse os ficheiros recebidos da escola, ou que não houvesse sequer dinheiro para pagar a recarga do celular. Acresce que muitos dos “alcançados” desligavam o computador, quando as aulas online se tornavam insuportáveis.
Enquanto a sua escola enviava inúteis “atividades” para alunos “alcançados”, a Kátia criou potenciais “círculos de vizinhança”, nos quais todas as crianças aprenderam tudo o que teriam de aprender, sem aula, sem “atividades”. No final desse ano letivo, enviou-me um WhatsApp com esta introdução: “Recebi de uma mãe e compartilho com você porque não é invejoso”. Transcrevo a mensagem, tal como chegou:
“Queria te agradecer de coração por toda sua dedicação com nossas crianças durante esse ano. Seu empenho para com eles foi muito além do que nós como mães e pais poderíamos imaginar. Vc ultrapassou as barreiras pedagógicas dando aos nossos filhos uma dedicação de amor e confiança.
Hoje tenho certeza de que nossas crianças saíram dessa “etapa” tão difícil com muito mais força e determinação para sempre olhar adiante. Vc despertou em cada uma das nossas crianças o sentimento de luta e companheirismo.
Só tenho a te agradecer por vc ser a profissional e acima de tudo a pessoa maravilhosa e humana que vc é. Perguntei para Lucas esses dias qual a palavra que te definiria e ele me respondeu “Mamãe, a prof. é MINHA AMIGA FANTÁSTICA!” E ele está correto, vc foi simplesmente fantástica. As crianças até poderão se esquecer um dia do conteúdo que aprenderam esse ano, mas JAMAIS SE ESQUECERÃO DE VC. Tenha certeza de que nós pais e mães tbm te levaremos nos nossos . Te desejamos tudo de bom e que Deus te abençoe sempre. Não esqueça das nossas crianças. Um abraço com todo nosso carinho e admiração”.
A Kátia não estava sozinha. No fevereiro de 2021, despontavam turmas-piloto, germens de comunidades de aprendizagem, onde quer que houvesse educadores amorosos, éticos, como a Kátia.
Por: José Pacheco
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