Algures, em 11 de fevereiro de 2041
Na segunda semana de fevereiro do já distante 2020, foram muitas as mensagens recebidas de professores pedindo ajuda, face a uma inusitada situação: os prédios das suas escolas tinham sido fechados “por ordem superior” (sic).
Esses professores manifestavam ansiedade, até mesmo angústia. Eram pessoas responsáveis, desejavam o melhor para os seus alunos. Porém, sem acesso à sala de aula, se achavam numa situação que não sabiam como gerir.
Industriados pelas suas escolas, buscaram o paradeiro dos seus alunos, na Internet. Dos mais de cem professores, que me pediram ajuda, aquele que mais alunos alcançou apenas conseguira contato com menos de um terço da sua turma. Dispus-me a ajudá-los. Convidei-os para assistir aos encontros por mim mantidos com um núcleo de projeto.
No dia anterior ao do “fecho das escolas” – nesse tempo, os professores ainda estavam crentes de que escolas eram prédios – eu combinara encontro com as tranquilas educadoras de uma “turma-piloto”. Aqui vos deixo registo dos diálogos, que os angustiados professores virtualmente presenciaram.
“Professor Zé, hoje conseguimos contato com vinte e seis dos nossos alunos. Amanhã, tentaremos alcançar os restantes”.
A “turma-piloto” era constituída por trinta e oito jovens, organizados em cinco “círculos de vizinhança”. De alunos tinham passado a sujeitos de aprendizagem. Eram seres intelectual e moralmente autônomos. Com as suas tutoras construíam projetos, preparavam roteiros de estudo, desenvolviam pesquisa, produziam “evidências de aprendizagem”.
No dia seguinte, as tutoras lograram interagir com trinta e seis dos trinta e oito jovens à sua guarda. Dois jovens, que moravam numa fazenda, estabeleceram contato com recurso a telefone e Internet rural. A “turma-piloto” estava completa e ao alcance de um click…
As tutoras dessa “turma-piloto” descreveram, para mim e para os professores que assistiam aos nossos remotos encontros, o modo como tinham encontrado os ausentes.
Num dos círculos de vizinhança, um jovem ajudou um colega morador do apartamento ao lado do seu e que não tinha estabelecido contato com as tutoras. Colocou a sua máscara, desinfetou as mãos, foi bater à porta do apartamento ao lado do seu e inquiriu:
“Por que não falaste com a professora Sara?”
“Porque estou sem Internet” – respondeu o colega.
Simples solução! O jovem que tinha acesso à Internet ligou o “hotspot” e informou a senha Disponibilizado um wi-fi universal, uniu o que uma parede separava. E, do outro lado da parede, o colega já podia aceder às videoconferências.
Dar-vos-ei apenas mais um exemplo dos muitos que poderia narrar e que são prova de que a solidariedade não era palavra vã inscrita no projeto daquele núcleo. Em outro círculo de vizinhança, dois jovens separados por duzentos metros de uma mesma rua se encontraram. Um deles não tinha computador. Dependia do celular de uma mãe faxineira, que só voltava para casa à noite. Um dos jovens dispunha de dois computadores e emprestou um deles, para que o colega pudesse participar nos encontros.
Os jovens não recebiam “atividades”, nem as tutoras “davam aula online”. Nos fins de tarde de confinamento, os círculos de vizinhança se reuniam em pequenas aglomerações, mantendo distância social, produzindo e partilhando conhecimento, acompanhados pelas tutoras. Uma vez por semana, também eu participava das tutorias e pude testemunhar que nem por um dia aqueles jovens deixaram de aprender.
À margem do “novo normal”, uma nova construção social de aprendizagem tomava forma concreta.
Por: José Pacheco
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