Itatiaia, 13 de fevereiro de 2041
Ontem, celebramos o centenário do Lauro. O aniversariante de hoje é Agostinho da Silva. E, nesta semana, ainda evocaremos mais um vulto da educação brasileira. Se o faço, amados netos, é porque importa relembrar a extraordinária obra desses autores. E porque me apercebi de que, se hoje são considerados incontornáveis referências, raros eram os educadores que, nos idos de vinte, deles tinham conhecimento e ainda mais raros aqueles que os estudavam e os praticavam.
É vasta a obra agostiniana. Em Portugal, avulta a publicação dos cadernos de divulgação cultural escritos “para a Mocidade e a Juventude e dedicados à Ciência”. E ainda assisto com agrado às suas “conversas vadias”, guardadas numa velha pen drive. Perto da sua morte, nos diálogos que manteve com diversas personalidades, mantinha uma impressionante lucidez e nos dava notáveis lições de saber, tão humildes quanto universais. Dotado de uma simplicidade franciscana, assim reagia a reverências e mesuras:
“Acho graça às homenagens que me prestam, excelente sinal de ilusões que a eles restam; sou tão humano quanto os outros, com qualidades e defeitos e mais as manhas que se escondem em seus peitos; de nós nada mais deixamos que vãs memórias”.
Assim o descreviam os seus contemporâneos: eterna criança em plena liberdade, possuído pelas características do que houver no sagrado, visionário, exemplo de paz e de harmonia absoluta.
Vi nele o exemplo de coragem, que me faltava. Não gostava de cartilhas e nunca teve medo de dizer o que era. Por se ter recusado a assinar uma lei, que obrigava os funcionários públicos a declararem que não participavam em “organizações secretas, subversivas”, foi demitido do ensino oficial. Acossado pela Ditadura, destituído de funções, se autoexilou no Brasil. Na brasileira em Itatiaia, criou um protótipo de comunidade, participou da fundação de universidades na Paraíba e em Santa Catarina. Com o Darcy, criou o Instituto de Letras da Universidade de Brasília.
Não possuía CPF nem conta bancária. Declarava que o homem não foi feito para trabalhar, mas para criar. E que a vida deveria ser gratuita. É conhecido o episódio em que Darcy lhe entregara um envelope com o primeiro salário. De imediato, distribuiu o dinheiro pelos candangos, que habitavam o mesmo barracão.
Com ele aprendi, a não usar de um discurso de código elaborado. Se, nestas cartinhas opto pelo tom coloquial, acessível a todo e qualquer leitor, a ele o devo. Porque, nas entrelinhas dos escritos de Agostinho, repensei a escola. A par de Freire e de Lauro, a sua simplicidade e coragem me conduziram por caminhos de inovação, que desembocaram na criação de uma rede de comunidades de aprendizagem.
Quarenta anos após a sua despedida do Brasil, a educação da sua segunda pátria continuava à deriva, perdida entre modas e reformas. Antes de voltar para Portugal, escreveu que, se Portugal desembarcou na África, na Ásia e na América, só faltaria que Portugal desembarcasse… em Portugal. A nova educação do sul iria “desembarcar” no norte e inaugurar um novo renascimento, sem escravagismo, sem tirania. Proféticas palavras, pois, desde o meu primeiro dia nestas terras do sul, me apercebi de que o futuro da educação estava aqui.
Durante mais de meio século, eu ouvira falar da “educação do futuro”, cerne de teóricos debates. E, enquanto, nos idos de vinte, a UNESCO voltava a debater uma mítica “educação do futuro”, ela se fazia presente em turmas-piloto anunciadoras de uma nova construção social de aprendizagem. Estava em gestação a nova educação do mundo.
Por: José Pacheco
276total visits,2visits today