Santa Cruz do Capibaribe, 21 de fevereiro de 2041
Recordemos algo que qualquer manual de história ou de sociologia de educação explicará. A escola contemporânea dos idos de vinte – tal qual a conhecíamos e enquanto formação experiencial de alunos e professores – era herdeira de necessidades sociais do século XIX, ainda que as suas raízes fossem mais fundas, adentrando os séculos anteriores.
O modelo “tradicional” de escola adotara formas e procedimentos característicos das instituições mais respeitadas na época em que foi implementado – aplicou modos de organização dos espaços e métodos utilizados em casernas, mosteiros e prisões. A arquitetura escolar refletia (e reproduzia) uma visão de homem e de mundo pronta e acabada.
Eu acompanhava o cotidiano de escolas que ousaram operar rupturas com o obsoleto modelo instrucionista, escolas que se preocupavam com a formação integral dos jovens e cujos professores se assumiram responsáveis por aquilo que fizeram de si, a partir do que deles a vida (e a escola) havia feito.
Eu valorizava o que os professores sabiam fazer, as suas competências, avultando a competência de dar aula. E os professores que, no Paranoá, decidiram trabalhar em comunidade de aprendizagem, usaram a sua competência de dar aula, para acabar com a aula. Uma extraordinária equipe saída do CEF 04 foi pioneira, quando, comigo e com a Cláudia, correspondeu a um pedido da secretaria de educação. Ousaram partir de uma formação experiencial madura no ensino tradicional para novas e melhores práticas. Reelaboraram a sua cultura pessoal e profissional, para lograr obter a plena realização pessoal e social dos seus alunos.
Achadas as instalações apropriadas para instalar o projeto, logo os engenheiros da secretaria projetaram… salas de aula. Os regulamentos da secretaria assim ordenavam que se fizesse. Somente ao cabo de muitas reuniões, uma arquiteta entendeu que nas práticas do paradigma da aprendizagem não havia lugar para… salas de aula. Não se pense, porém, que as múmias pedagógicas da secretaria desistiram dos seus nefastos intentos. Decorridos alguns meses, obrigaram alguns dos professores a trabalhar em… sala de aula, contribuindo para descaracterizar quase por completo o projeto.
Entretanto, uma escola particular, que eu acompanhava, requereu a sua municipalização mantendo práticas coerentes com o seu projeto, que eu bem conhecia e admirava. Contatado por mim, um responsável pelo processo de municipalização respondeu, peremptório:
“Se a escola for municipalizada terá de ser como todas as outras. Nada de projetos!”
A educação do Brasil andava ao compasso de mentalidades retrógradas. Até aos anos trinta, ainda sentiríamos os efeitos da pérfida ação de múmias pedagógicas, pois os “projetos” escapavam à compreensão de burocratas pedagogicamente míopes. Argumentando com uma regulamentação instrucionista da lei, abusavam do poder para destruir aquilo que não entendiam e que, na realidade, nenhuma lei impedia que se concretizasse.
Quando lhes pedia que me dissessem qual a lei que evocavam, não sabiam dizer qual fosse. O “não pode” era resposta. O autoritarismo, o argumento. Em muitas das minhas intervenções públicas, eu fui interpelado por professores e gestores, que afirmavam não ser possível “autorizar certos projetos, porque a LDB não permitia”. Perguntava-lhes pelo artigo da lei que não permitia “autorizar”. Não sabiam dizer qual fosse, simplesmente, porque não existia qualquer impedimento legal – existia uma mentalidade conservadora e burocrática.
Por: José Pacheco
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