Visconde de Mauá, 27 de março de 2041
Há cerca de uns quarenta anos, fiz uma declaração que deixou muita gente indignada. Afirmei haver estudantes que alcançavam diplomas sem nada terem aprendido, porque plagiavam trabalhos de outrem, parasitavam trabalhos de grupo (nos quais, um ou dois trabalhavam e os restantes levavam a nota), ou copiavam nos exames.
A indignação não me surpreendeu, pois havia sempre quem reagisse, quando o texto não era “politicamente correto”. Sempre houve quem recusasse ver o “fato novo do rei”, que o rei estava nu. O futuro mostrou que, mesmo que os “indignados” tentassem tapar o céu com a peneira, aquilo que era verdadeiro acabava sendo provado,
Um jornal deu a conhecer as conclusões de um estudo, que mostrava terem sido justas as minhas palavras de há quatro décadas: três quartos dos alunos das universidades colavam. O estudo divulgado tinha um título bem sugestivo: “Copianço nas universidades, o grau zero da qualidade”. O autor do estudo referia que a carga moral da assunção de uma conduta desviante poderia ter calado mais do que um dos alunos inquiridos. Mas que, apesar desse possível desvio por defeito, seriam “três quartos” os que exerciam a arte de bem colar (copiar).
Os professores-polícias eram ineficazes face à criatividade dos alunos: um auricular escondido no cabelo comprido, uma mensagem no celular… No jogo do gato e do rato, o felino docente somente lograva desenvolver no rato discente competências e habilidades que reforçavam o faz-de-conta da avaliação por exame. Aqueles que policiavam a realização das provas somente conseguiam, sem que disso se apercebessem, ensinar valores. Partindo do pressuposto de que todos os alunos eram seres potencialmente desonestos, estimulavam a deslealdade, a mentira, a dissimulação, a falsidade… a corrupção.
Dizia-nos o estudo que copiar fazia parte do currículo dos universitários, um mundo de hipocrisia, onde as notas refletiam mais a habilidade do que o conhecimento. refletiam a capacidade de retenção de informação na memória de curto prazo, para vomitar numa prova e, depois, esquecer. Os exames somente traduziam “habilidades periféricas dos estudantes” e “a incapacidade real da universidade para medir o seu real desempenho”.
Quase todos os inquiridos admitiram que “tanto copiavam os maus como os bons alunos”, O objetivo era conseguir o canudo, fosse lá como fosse, o que denunciava “uma frequência escolar mais orientada para o sucesso certificado e nominal do que para o sucesso substantivo e real”.
Quando um ministro de triste memória quis ressuscitar os pretensos méritos dos exames, voltei à liça, para demonstrar que as provas pouco ou nada avaliavam. Terminei a série de artigos então publicados com um apelo aos professores. Pedi-lhes que fossem rigorosos na avaliação, para poderem dispensar inúteis exames. Que rejeitassem a fraude dos exames. Que recusassem o surrealismo de pautas trimestrais (ou semestrais) que, em escala ordinal, davam conta das classificações dos alunos. Que abandonassem práticas de avaliação obsoletas.
O sociólogo autor do referido estudo era digno da minha admiração. Sendo professor universitário, teve coragem de revelar obscuros bastidores da sua instituição.
Lamentavelmente. eram poucos os que ousavam denunciar. Distribuindo certificados e diplomas, mas não cuidando de qualificar os seus alunos, as escolas davam um significativo contributo para aquilo que parecia ser um desígnio nacional, aquilo que o Darcy designava de “projeto”, mas que se assemelhava mais a um “caso de polícia”.
Por: José Pacheco
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