Vila Real de Trás-os-Montes, 22 de abril de 2041
O artigo 48º da Lei de Bases portuguesa assim reza: “Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.”
Nos idos de vinte, a Lei de Bases brasileira era similar à sua congênere portuguesa. Bastava que fosse lida, para que se compreendesse o quanto a regulamentação da lei concebida pelas secretarias e ministérios da educação era de natureza técnico-instrumental, burocrática. Prevaleciam os critérios de natureza administrativa, pelo que a regulamentação instrucionista estava fora da lei. Os critérios de natureza pedagógica e científica não eram respeitados. Ipso facto, os ministérios e secretarias agiam à margem da lei.
O primeiro ponto do artigo 48º estabelecia que a administração e a gestão dos estabelecimentos de educação e ensino, nos diferentes níveis, “se orientasse por uma perspectiva de integração comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respectivos docentes”.
Anísio Teixeira já o tinha dito, nos idos de cinquenta do século passado. E tinha ido mais longe. Mais do que concordar com a fixação dos professores nas comunidades de pertencimento, afirmara não ser necessário transporte escolar, nem inúteis e dispendiosos “departamentos de transporte escolar”, nem crianças a acordar de madrugada, para penar longas viagens.
Alunos e professores deveriam aprender no seu lugar de viver. O que iriam aprender dentro de um prédio, que não pudessem aprender sem sair do seu bairro? Nada!
Anísio recomendava: “fazer escolas nas proximidades das áreas residenciais, para que as crianças não precisassem andar muito para alcançá-las”. Mas era outro o “entendimento” da administração educacional.
Queridos netos, nos anos que se seguiram ao vosso nascimento, à semelhança de outros professores em início de carreira, os vossos pais não tinham poiso certo. Ano após ano, viviam a incerteza da “colocação”. E aceitaram a sina de levar a casa às costas para onde o acaso do “concurso” os atirava. O “concurso” e o “remanejamento” eram cegos, pouco se importavam com os afetos e nada entendiam de criar laços. Mas. os vossos pais conheceram-se, amaram-se e quiseram que viesseis ao mundo num tempo incerto. Não esperaram por tempos seguros, que, nestas coisas do amor, como nas de aprender, o que é urgente não deve esperar.
O artigo citado também refere que, em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão se orientassem “por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo.” Mas, cadê a participação de todos os implicados? E cadê a democraticidade, se os diretores das escolas estavam submetidos ao dever de obediência hierárquica?
Nos idos de vinte, a administração educacional contrariava o disposto na lei, negava o direito ao exercício digno da profissão de professor. Lideranças tóxicas recusavam dialogar e, não raras vezes, recorriam à ameaça. A lei era votada ao ostracismo. O instrucionismo imperava. Os trágicos efeitos da escola da aula se perpetuavam.
A anómala situação se prolongou até 2021. No abril desse ano, educadores das turmas-piloto de comunidade de aprendizagem entregaram aos órgãos de direção, gestão e administração um “Plano de Inovação” e um “Contrato/Termo de Autonomia”. Uma solicitação de diálogo acompanhava os documentos. Urgia negociar, restaurar a legalidade.
Em breve, vos contarei o que aconteceu.
Por: José Pacheco
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