Castro Verde, 11 de maio de 2041
No mês de maio de 2021, o amigo Maturana partiu para um etéreo lugar, onde seres humanos imortais continuam a inspirar aqueles que na Terra continuam a obra iniciada.
Nas escolas de há vinte anos, ainda era escasso o impacto dos ensinamentos do mestre chileno. O termo “autopoiese” começou por ser um conceito da Biologia. Outras áreas dele se apropriaram – a neurobiologia, a sociologia, a filosofia, a arquitetura – e teve grande impacto na educação. O termo designa a capacidade de os seres vivos se produzirem a si próprios. Isso mesmo: o reconhecimento de que um ser vivo é um sistema autopoiético, sempre mantendo interações com o meio, que desencadeava mudanças determinadas em sua própria estrutura. “Com” de Comunicar, de Conversa.
“A conversa nos constitui humanamente” – escreveu Maturana – “No conversar construímos a nossa realidade com o outro. O conversar é um modo particular de viver juntos, em coordenação do fazer e do emocionar. Neste espaço relacional, se pode viver na exigência ou na harmonia com os outros. Ou se vive no bem-estar estético de uma convivência harmônica, ou no sofrimento de uma exigência negadora contínua”.
Nos idos de vinte, em Santa Catarina, crianças foram assassinadas dentro de um jardim infantil. Na Coreia, as autoridades educacionais estavam empenhadas na desintoxicação do consumo de internet. Em países líderes do PISA, o índice de suicídio juvenil era assustador. Restava a esperança de que um poder público autista aceitasse conversar sobre mudança, sobre inovação, sobre a humanização do ato de educar. Que fosse sensível a uma relação de “bem-estar estético, de uma convivência harmônica” e não se mantivesse “no sofrimento de uma exigência negadora contínua”.
O Guardian publicou um estudo da London School of Economics, no qual se defendia que o principal objetivo das escolas deveria ser o de ajudar a criar pessoas bondosas e felizes. E, sobretudo, que equipasse os jovens alunos com recursos de autoconstrução da personalidade. A escola e a família poderiam exercer grande influência na formação da pessoa, mas a decisão final dependeria da pessoa, era uma prática cultural voluntária.
Talvez as escolas devessem adotar um modo de funcionamento assente num relacionamento que elegesse a estética da sensibilidade, habituando o jovem a conviver com o incerto em substituição da reprodução mecânica de planejamentos alheios. Se a virtude pudesse ser ensinada, seria mais pelo acreditar no outro do que pelos livros. Seria urgente proporcionar aos jovens oportunidades de autoaprendizagem, levá-los a não se comparar com outros, a usar um poder que não servisse para mandar, mas para ajudar.
“Em alguma parte da Terra um homem esteja sempre plantando, recriando a vida, recomeçando o mundo”. Foi a Cora quem o disse. Quem ousará questionar um otimismo de poeta? Talvez o Francesco Alberoni que, no belo livro que escreveu sobre o optimismo, nos alerta:
“Muitos acreditam que, quando alguém sabe fazer algumas coisas e as repete, ano após ano, alcançará a perfeição. Esta ideia está errada. Quem não aprende, desaprende”.
Certamente, Alberoni não estaria a pensar naquilo que acontece no domínio da educação e, em particular, das escolas, lugares onde reina um otimismo negativo, a crença de que a experiência radica na mera repetição.
É conhecida a história que um velho índio contava ao seu neto. Falava de um combate entre dois lobos, que vivem dentro de todos nós. Um é mau, o outro é bom. O neto perguntou:
“Qual o lobo que vence?
O velho índio respondeu:
“Aquele que você alimenta”.
Por: José Pacheco
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