Sesimbra, 14 de junho de 2041
A todo o instante, os professores se confrontam com situações de desgaste, que interpelam o seu centro de gravidade profissional e afetam a sua autoestima. Os mais frágeis protegem-se. Os mais resistentes preservam o essencial da sua pessoa (o que é mais do que legítimo). Estes não correm risco de depressão, mas o Freud explicaria os processos de transferência que
são desencadeados.
Continuo desfiando o rosário de desabafos, que me chegavam sob a forma de e-mail:
“Escrevo-lhe para compartilhar um pouco das minhas angústias. Contar um pouco sobre a minha experiência na escola. Não tem sido nada fácil. Eles pensam a educação de forma fria, sem sentimento. Eu e mais duas companheiras estamos cada vez mais indignadas com a situação. Temos que ouvir dos nossos colegas de turma que a escola em que acreditamos não passa de um sonho, uma utopia. Dizem que não chegaremos a lugar algum com essas ideias românticas sobre educação. Dizem-me: Não podes ser lírica. Atende à realidade! Mas de que realidade me falam? Estou preocupada com conversas que ouço entre professoras: Então, em que letra vais? Olha, eu já vou no q de quá quá! Mas tenho que me despachar, porque a colega Mariana já vai nos grupos consonânticos. Que tristeza!”
Eu vou respondendo aos professores que me enviam estas mensagens, dizendo que compreendia o drama das professoras, das que iriam ter e das que não iriam ter tempo de “dar o livro todo”.
Se elas soubessem o que o programa requeria, o drama seria bem maior. Felizmente, desconheciam, não trabalham o currículo, apenas “davam aula” pelo que constava do livro didático.
Um relato semelhante chegou até mim vindo de uma jovem professora de ensino secundário português:
“Com o mesmo aperto no peito lhe escrevo. O sonho comanda a vida, mas o sonho dos homens de hoje já não é o do poeta. Os sumários das minhas colegas são mais ou menos isto: dia 10, pág. 15″. Não vai acreditar, mas ouvi o seguinte diálogo, na sala dos professores: “Ainda só vais na página quarenta? Eu já dei a lição da página sessenta. Ai, tu também dás os textos em verso? Eu não perco tempo com isso. Eu cá dou o programa do décimo primeiro ano. Se eles não sabem o programa do décimo, o que é que eu tenho com isso?” Dizem-me achar estranho o modo como trabalho. Explico-lhes o como e por quê. Pergunto-lhes pelo como e o porquê do modo que fazem. Não me sabem explicar. Então, eu digo que acho estranho o modo (sem explicação) como trabalham. Riem-se de mim”.
Lia os apelos, solidarizava-me, recomendava que a professora que ainda o era não perdesse tempo com aqueles que ainda o não eram, ou que deixaram de ser. Não se deveria perder tempo com os que se riam da própria ignorância. Se os dadores de aulas acreditavam que bastava “dar os textos em prosa”, lá teriam a sua razão.
Conservador é o partidário de um sistema, no qual se procura assegurar a continuidade. Na Itália do regime fascista do Duce, as corporações modernas, herdeiras das análogas da Idade Média, estavam submetidas às ordens do Grande Conselho Fascista. Era ele quem ditava o que fazer em sala de aula. O mesmo acontecia na ditadura de Salazar.
A democracia não lograra alterar hábitos escolares. Não custava nada “dar aula”. O “livro do professor”, que acompanhava o manual do aluno, já trazia os exercícios feitos e corrigidos. Se já tudo estava pronto a consumir, os modelos prontos, as respostas preparadas, poucos seriam os interessados em pensar nos porquês do “fazer”. Seria preciso explicar o “como fazer”?
Se fossemos radicais, até poderíamos perguntar: Será preciso passar por um curso de professor?
Por: José Pacheco
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