Óbidos, 20 de junho de 2041
“Consenso” é palavra de origem latina, significa “acordo tácito”.
Num estudo realizado no Brasil pela UNESCO, as conclusões eram “consensuais”: os professores consideravam que o fracasso na escola era responsabilidade dos alunos, da “falta de vontade” das crianças e dos jovens. Consensualmente, os alunos diziam que encontravam mais ajuda em casa do que na escola, quando defrontavam um problema. Quase consensuais (quase oitenta por cento dos professores) afirmavam que os alunos não faziam as lições por preguiça. E, para os estudantes, o bom aluno era o que obedecia ao professor, o que copiava as tarefas.
Na televisão, escutei uma professora:
“Tirei uma licenciatura, mas não encontrei emprego. Nem podia dar aulas. Voltei à faculdade, para poder ser professora. Encarei esta necessidade com conformismo”.
E, numa sala de professores:
“Eu queria mesmo era ser advogado. Mas só consegui arranjar emprego como professor”
Quando lamentávamos a desvalorização do estatuto social da profissão, teríamos discernimento para entender por que projetávamos uma imagem social tão negativa? Quando pensávamos na indignidade do salário do professor e na degradação da escola pública, estaríamos a pensar em causas, ou em consequências?
Dizia um amigo que pensar educação era pensar em problemáticas éticas e ontológicas. Antes de mais, o professor teria que desenvolver a capacidade de se libertar dos trilhos que, ao longo da sua caminhada, enformaram e construíram as suas representações de Escola e de Educação. Pensar a Escola seria reorientar o Homem no Mundo, transcender a pedagogia, fazer antropogogia.
“Tenho dezoito anos de serviço e continuo a tentar ser professora. Infelizmente, cercam-nos muitos dadores de aulas, que nos barram o caminho. Para cúmulo, aqueles a quem servimos não nos respeitam. E os nossos governantes não nos defendem. Mas fica sabendo que, mesmo assim, cá vamos resistindo e reinventando a nossa realidade.”
Acompanhava esses caminhos feitos de resiliência. Quando esta professora me avisou de que somente quatro professores da sua escola não desistiam de melhorar, eu respondi-lhe que os quatro resilientes eram maioria. E expliquei: sois maioria porque os outros não existem.
Ajudava quem estava vivo e queria melhorar-se, melhorando a vida dos outros. Não me importava com aqueles que morriam aos vinte e eram enterrados aos sessenta. A retórica dos políticos dizia-nos que o futuro do Brasil estava na Educação. A qual educação se referiam? Em escolas habitadas por professores desmotivados e gestores desmoralizados? Em escolas de paredes húmidas e cinzentas de salas de aula decalcadas de celas de convento, onde a mesmice pedagógica imperava?
Lévi-Strauss entendia que sábio não era o que fornecia as verdadeiras respostas; era o que formulava as verdadeiras perguntas. Embora os professores com quem eu aprendia me dissessem que era perigoso perguntar, eu desafiava-os a pensar e a agir. Quando quis experimentar a vida de professor universitário, quis saber o que os meus alunos (futuros professores) esperavam do curso. A resposta foi unânime:
“O que nós queremos é saber dar aulas e manter a disciplina”.
Retorqui:
“Então, meus amigos, mudai de curso e de profissão, que ainda estais a tempo de serdes pessoas felizes”.
Estavam a escassos meses de exercer a profissão de professor. Em conversas paralelas, vim a saber que desejavam ser médicos, arquitetos, psicólogos, mas não conseguiram. A nota alcançada no acesso à universidade apenas lhes permitiu serem… professores.
Por: José Pacheco