Mogi Guaçu, 14 de julho de 2041
No périplo de julho de 2021, a Fabi me levou de Lorena para Mogi Guaçu. Lá, esperava-me a hospitalidade do Serginho, a surpresa do cuidado posto pela Fabi e pela sua equipe numa escola recuperada da depredação que a gestão anterior operara.
A “Luma” cheirava a café e gentileza. Numa manhã auspiciosa, uma quase-comunidade me esperava. Apenas faltava que as “autoridades” percebessem de que ali estavam educadores e educadoras decididos a colocar a educação de Mogi Guaçu no século XXl. Na “Luma” e em outras escolas, um novo modelo educacional tomava forma, com intensa participação comunitária. De uma nova visão de mundo emergia uma nova cultura profissional. Professores se libertavam de longos anos de menoridade profissional.
Essa menoridade estava bem patente mesmo em frente à escola onde nos reunimos. Era uma visível evidência de um dos efeitos colaterais das práticas instrucionistas. A falência do modelo educacional imposto pelas secretarias de educação estava escancarada numa fotografia, que guardei no álbum dos absurdos e que junto a esta cartinha. A foto tem vinte anos, está amarelada pelo tempo, mas nela ainda se consegue ler:
“Dificuldade nas aulas online do seu filho? Nós temos a solução!”
Durante a pandemia dos idos de vinte, os professores padeciam da preparação e da transmissão de inúteis e onerosas aulas online. Empresas oportunistas tiravam proveito do cansaço sentido pelas famílias, embora fossem úteis, quando agiam como abutres, alimentando-se da putrefação do sistema de ensino e da desqualificação profissional dos educadores.
A crise de profissionalidade se refletia em pequenos gestos e circunstâncias. Se havia professores que, assistindo a uma palestra, se atropelavam ao falar e sussurravam ao pé do ouvido do colega do lado, como se poderia exigir dos seus alunos, em situação de sala de aula, o levantar a mão, para solicitar a sua vez de falar? Se educar é dar exemplo e imitar…
Essa postura de cidadania básica não era comum no decurso de reuniões de professores. E a incoerência gerava situações de embaraço:
“Ó professora, faça o favor de jogar fora a pastilha elástica. Nós somos proibidos de a usar”!
O projeto da “Luma” era anúncio de um novo tempo para a Escola. Num “círculo de aprendizagem”, escutei dúvidas e preocupações. Naquela manhã, a “Luma” acolhera educadoras e educadores que, nos anos seguintes provariam que uma escola já não era um edifício inspirado em conventos, quarteis e prisões, que tomavam consciência de que os edifícios escolares deveriam constituir-se em ágoras, nodos de redes de aprendizagem.
Os muros, que cercavam as escolas dos idos de vinte, não eram apenas barreiras físicas. Eram expressão de incapacidade, por conta de um determinado modelo educacional, de criar uma relação orgânica com o contexto social e físico. Os muros, as câmeras de vigilância, a portaria vigiada, transformavam a escola num “gueto cultural”. Essa insularidade não provinha da existência de barreiras físicas, mas da incapacidade de integração comunitária.
Abertos, ou fechados, os prédios das escolas dos idos de vinte eram “bunkers” protetores dos perigos evidentes ou imaginários, que a comunidade de contexto representava, quando, há mais de dois séculos, Pestalozzi já nos dizia que a escola era apenas “um momento da educação”. Que a casa e a praça eram “os verdadeiros estabelecimentos pedagógicos”.
Em breve, vos falarei do modo como a Fabi encarou a dura tarefa de integrar socialmente a escola e de a limpar da corrupção e outras violências, que por lá encontrou.
Por: José Pacheco
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