Olival, 11 de outubro de 2041
In illo tempore… contei aos meus netos estórias do tempo da proto-história da Escola. Do tempo em que o Rodrigo era obrigado a acordar de madruga e a viajar entre a sua casa e um prédio a que chamavam “escola”, onde, durante horas, se aborrecia, sequestrado numa sala, ouvindo fastidiosas preleções. Intervalos cronometrados separavam inúteis aulas, nas quais, os alunos escutavam aquilo que poderiam ler e livros, no aconchego do lar, ou através da Internet.
Por que razão oculta o Rodrigo teria de madrugar, viajar e se aborrecer entre quatro paredes?
“Felizmente, há intervalos” – dizia o Rodrigo – “Posso brincar com os meus amigos.”
Mas, também havia “intervalos” forçados. Dado que os horários eram feitos à medida dos interesses dos professores e apresentavam “furos” – assim se apelidavam períodos sem aula, entre aulas – o Rodrigo passava por longos períodos de inatividade. Sempre que podia, aproveitava esses “tempos mortos”, para acessar sites ou jogar no seu computador.
A biblioteca da escola poderia constituir-se numa excelente alternativa para a ociosidade forçada. Mas, ou estava fechada, ou os alunos não tinham contraído o hábito da pesquisa.
Nesse tempo, nas centenas de escolas que visitei, identifiquei três situações. A mais frequente era a da biblioteca fechada com cadeado. Certamente, porque, lá dentro, havia fontes de conhecimento, a biblioteca era um lugar perigoso, por ser um espaço alternativo às aulas.
Por vezes, encontrei bibliotecas abertas, onde alguns funcionários conversavam, para mitigar o tédio. Raros eram os alunos que a frequentavam. E, como pude observar, os livros da biblioteca dos professores também raramente eram utilizados.
Quando, ali, encontrei os raros utilizadores, meti conversa:
“Então, meus amigos, o que estais a ler? Trata-se de uma pesquisa? É pelo prazer de ler?”
“Não… Nós somos malcomportados. A professora pôs-nos fora da sala, mandou-nos para aqui. E nós estamos à espera de ir ao gabinete do diretor.”
A biblioteca também era um lugar de “ficar de castigo”.
A mãe do Rodrigo era pessoa amorosa e atenta aos desmandos da escola de então, e buscou alternativas. No bairro em que vivia, encontrou um edifício de escola restaurado, vazio, sem serventia. Propôs-se criar, ali, um primeiro círculo de aprendizagem, do que viria a constituir-se como comunidade de aprendizagem.
A sociedade civil despertava de um longo pesadelo. Com professores “vivos”, ou sem eles, criava condições de efetiva aprendizagem, de uma educação à medida das necessidades e potencialidades locais. As famílias defendiam os seus filhos de más influências. E os professores “vivos” nelas encontravam apoio para a realização de projetos de mudança e de inovação.
Os “horários” – um dos absurdos dispositivos desse tempo – que contrariavam todos os princípios da Cronobiologia, estabeleciam “tempos letivos”. Por exemplo, pelas oito horas de segunda-feira, todos os alunos deveriam estar na aula de Biologia; às dez e trinta de quinta-feira, na aula de História; às doze horas de sexta-feira, na de Matemática. Dos horários, do jovem Rodrigo e da sua mãe vos falarei em próximas cartinhas, para que saibais que a luzente escola deste vosso tempo passou por tempos sombrios.
Ficai tranquilos, porque esses tenebrosos tempos jamais regressarão. Isso vos disse, há mais de quarenta anos, no livro da Alice:
“Foi isto mesmo que o anjo evolado da pedra da idade da pedra segredou a uma gaivota comovida e muda perante tanto sofrimento e tamanha destruição. E o coração da gaivota sossegou.”
Por: José Pacheco
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