Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCLXXXIV)

Tentúgal, 19 de outubro de 2041

Nos idos de vinte, uma surpresa agradável me fez retomar práticas de antanho, ajustadas às realidades de municípios e agrupamentos de escolas, que me solicitaram ajuda. Já com setenta anos feitos, encarei os novos desafios como um aprendiz. 

Como referi na cartinha anterior, nos anos que se seguiram a uma breve experiência de gestão de uma autarquia, sete pilares de desenvolvimento comunitário se manifestaram. O primeiro viria a ser, mais tarde, designado de “territorialização”.

A escola saía de quatro paredes, ia ao encontro de novas dinâmicas sociais. Quebrava um enguiço de séculos, buscava entender modos de vida, valorizar saberes populares, procurava entender como pessoas e grupos se organizavam e se relacionavam. 

Nos projetos, que acompanhei na Pampilhosa da Serra e na Lousã, a Cléo teve importante papel, por reconhecer o lugar da produção social da saúde como espaço de construção de identidade e vínculo. Identificou fenômenos de vulnerabilização, mas também potencialidades do território e seus determinantes sociais de saúde. 

Paralelamente a esses eventos, recebia notícia de projetos idênticos em outras paragens. Da Paraíba chegavam ecos de intervenções antigas.  O vosso avô andarilho conhecera e colaborara com uma escola de Bananeiras. Identificara o grande potencial do projeto e a sua já assinalável integração comunitária. Augurara a territorialização, como saída para as dificuldades por que a escola passava. E o augúrio se confirmou.Os jornais noticiavam:

“Sem salas de aula e focada na educação comunitária, escola do Brejo paraibano é reconhecida internacionalmente. Com ensino gratuito e participação da comunidade, ‘Escola dos Nossos Sonhos’, localizada em Bananeiras, já ganhou prêmio global de inovação.”

Desde a estrutura físicas à formação dos seus ideais e valores, a Escola dos Nossos Sonhos agia de forma gregária. A comunidade não se via sem o projeto, e foi a crença de uma construção alternativa de saberes que levou todos a se reunirem, para seguir com a iniciativa. A Escola dos Nossos Sonhos era uma escola comunitária envolvida na busca de uma jornada sem hierarquias, tendo a subjetividade dos educandos como centro. A gestora Leila partilhava decisões com o coletivo:

“Cada passo é dado através de assembleias e colegiados, onde além da equipe de voluntários, os pais e integrantes da comunidade acrescentam ideias e sugerem mudanças.

A certo passo da notícia de jornal, a Leila explicitava a origem da mudança:

“Foi essa angústia que levou a equipe pedagógica a testar um modelo inovador na região. Nesse novo ciclo, a ‘Escola dos Nossos Sonhos’ não optaria mais por séries. A ideia era integrar os estudantes, incentivar os trabalhos coletivos e as trocas para além das quatro paredes das salas de aula, para além das provas e das notas por rendimento.

E, então, as salas se transformaram em espaços coletivos de aprendizagem, utilizados pelos educandos através das necessidades de cada um. Os professores se transformaram em tutores e mediadores de projetos. E os alunos foram desafiados a serem autônomos e a exercerem sua liberdade.

Entre as crianças, a autonomia é trabalhada como etapa primordial. “O que você tem interesse? O que você gostaria de aprender na escola?”. Perguntas como essas são comuns. Desde cedo, a opinião dos menores é levada em conta e valorizada na construção dos saberes.”

A Aline era voluntária na escola dos seus filhos. Para essa mãe, a principal diferença consistia em “tratar de cada detalhe como um fruto do coletivo, com foco na comunidade”. 

 

Por: José Pacheco

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