Tentúgal, 19 de outubro de 2041
Nos idos de vinte, uma surpresa agradável me fez retomar práticas de antanho, ajustadas às realidades de municípios e agrupamentos de escolas, que me solicitaram ajuda. Já com setenta anos feitos, encarei os novos desafios como um aprendiz.
Como referi na cartinha anterior, nos anos que se seguiram a uma breve experiência de gestão de uma autarquia, sete pilares de desenvolvimento comunitário se manifestaram. O primeiro viria a ser, mais tarde, designado de “territorialização”.
A escola saía de quatro paredes, ia ao encontro de novas dinâmicas sociais. Quebrava um enguiço de séculos, buscava entender modos de vida, valorizar saberes populares, procurava entender como pessoas e grupos se organizavam e se relacionavam.
Nos projetos, que acompanhei na Pampilhosa da Serra e na Lousã, a Cléo teve importante papel, por reconhecer o lugar da produção social da saúde como espaço de construção de identidade e vínculo. Identificou fenômenos de vulnerabilização, mas também potencialidades do território e seus determinantes sociais de saúde.
Paralelamente a esses eventos, recebia notícia de projetos idênticos em outras paragens. Da Paraíba chegavam ecos de intervenções antigas. O vosso avô andarilho conhecera e colaborara com uma escola de Bananeiras. Identificara o grande potencial do projeto e a sua já assinalável integração comunitária. Augurara a territorialização, como saída para as dificuldades por que a escola passava. E o augúrio se confirmou.Os jornais noticiavam:
“Sem salas de aula e focada na educação comunitária, escola do Brejo paraibano é reconhecida internacionalmente. Com ensino gratuito e participação da comunidade, ‘Escola dos Nossos Sonhos’, localizada em Bananeiras, já ganhou prêmio global de inovação.”
Desde a estrutura físicas à formação dos seus ideais e valores, a Escola dos Nossos Sonhos agia de forma gregária. A comunidade não se via sem o projeto, e foi a crença de uma construção alternativa de saberes que levou todos a se reunirem, para seguir com a iniciativa. A Escola dos Nossos Sonhos era uma escola comunitária envolvida na busca de uma jornada sem hierarquias, tendo a subjetividade dos educandos como centro. A gestora Leila partilhava decisões com o coletivo:
“Cada passo é dado através de assembleias e colegiados, onde além da equipe de voluntários, os pais e integrantes da comunidade acrescentam ideias e sugerem mudanças.
A certo passo da notícia de jornal, a Leila explicitava a origem da mudança:
“Foi essa angústia que levou a equipe pedagógica a testar um modelo inovador na região. Nesse novo ciclo, a ‘Escola dos Nossos Sonhos’ não optaria mais por séries. A ideia era integrar os estudantes, incentivar os trabalhos coletivos e as trocas para além das quatro paredes das salas de aula, para além das provas e das notas por rendimento.
E, então, as salas se transformaram em espaços coletivos de aprendizagem, utilizados pelos educandos através das necessidades de cada um. Os professores se transformaram em tutores e mediadores de projetos. E os alunos foram desafiados a serem autônomos e a exercerem sua liberdade.
Entre as crianças, a autonomia é trabalhada como etapa primordial. “O que você tem interesse? O que você gostaria de aprender na escola?”. Perguntas como essas são comuns. Desde cedo, a opinião dos menores é levada em conta e valorizada na construção dos saberes.”
A Aline era voluntária na escola dos seus filhos. Para essa mãe, a principal diferença consistia em “tratar de cada detalhe como um fruto do coletivo, com foco na comunidade”.
Por: José Pacheco
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