Montemor-o-Novo, 13 de outubro de 2041
Literalmente, a palavra utopia corresponde à expressão “país de nenhures”. Para Tomás Morus seria a cidade perfeita, servida por um governo ideal. Usualmente, é utilizada para designar sonhos de perfeição social, algo considerado impossível de atingir. Contrariando a opinião, afirmaria que a utopia é algo necessário e até mesmo realizável. Se não, vejamos.
Nos idos de início deste nosso século, uma amiga enviou-me uma carta, que pediu para acrescentar àquelas que para vós escrevi. Foi um colibri quem ma enviou. Mas é para vós e, em particular, para a Alice. Revela a ternura que mora em ninhos perdidos, nas serranias e planuras dos confins de um ignorado interior deste país de pássaros solitários, que o vosso avô teve a sorte de conhecer num abril de há quinze anos.
A memória dessa carta está associada à de uma visita, que fiz ao meu amigo Alfredo. No início da tarde do dia da visita, após uma manhã acidentada e um repasto regado com o bom vinho tinto alentejano, a Caetana nos levou a reunir com a Direção do Agrupamento de Escolas de Montemor. Reencontrei o João, meu aluno dos anos noventa. Saí agradado do encontro, pois deparei com gente afável e receptiva a mudanças. No final da tarde, fui com a “Borboleta” ao lugar onde a utopia do Alfredo se concretizava. Dessa utopia (e da “Borboleta”) vos falarei em próximas cartinhas. Por agora, deixo-vos com a leitura da carta de um colibri.
Era um colibri, que não desistia de seguir na direção de um sonho, que era de hoje e de sempre e que deu sentido à vida de muitas gerações de pássaros ensinantes e aprendizes. Por razões que se adivinham e que poderei explicar, hesitei em tornar pública esta carta. Mas acabei por pedir permissão à sua autora, para a expor aos olhos de outros pássaros. Apenas é acrescentada à carta uma data: (quando a ela chegardes, compreendereis o seu porquê). Eis o que dizia:
“Freixo do Meio, no mês de maio de 2024.
Hoje quem te escreve não é o teu avô. Mas, a história que vais ler também é uma história sobre pássaros. Deves estar curiosa de saber quem é essa desconhecida, que, num dia qualquer de Primavera, resolveu falar-te.
Pequena Alice, esta história começa, há muito tempo. Lembra um encontro, num reino distante de quase tudo. Embora fosse Primavera, o reino distante e maravilhoso, como diria Miguel Torga, estava coberto por um grande manto branco, uma surpresa para a passarada, que se iria reunir naquela manhã.
Para os pássaros que viviam naquela terra, a neve não constituía problema. Como sabes, alguns animais adaptam-se a lugares diferentes do lugar onde nasceram, outros não sobrevivem à mudança, outros ainda sobrevivem, mas são eternos inadaptados. No caso dos pássaros, valem-se das suas penas para se protegerem do frio. Também é verdade que alguns de nós, como os colibris, somos mais relutantes em sair do ninho e, por vezes, ensaiamos duas ou três vezes para pôr o biquito de fora.
Mas, voltando à reunião… A razão era aprendermos técnicas de voo mais modernas, mais eficazes, mais audazes. Para isso, o líder do nosso bando conseguiu convencer a vir até aquela terra distante e fria uma gaivota que percebia da arte de voar como nenhum outro pássaro.
Mas, e agora? – pensávamos nós – haverá ou não a tal reunião? Será que a gaivota encontra o caminho no meio dessa brancura toda? E os outros pássaros resistirão ao frio? Com um pouco de atraso, a passarada conseguiu juntar-se, e a gaivota conseguiu chegar à clareira, para a nossa primeira lição de voo.
Completareis a leitura da carta do colibri na cartinha de amanhã.
Acolhei o beijo do vosso avô José.
Por: José Pacheco
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