Albufeira, 22 de dezembro de 2041
Completam-se vinte anos sobre uma ida a Portugal muito especial. Para além de corresponder a solicitações, que já não esperava, conheci muitos brasileiros, que encontraram no “país irmão” refúgio e reinício de vida. No início dos anos vinte, por lá andava uma brasileira, a admirável Cleo, que assim descrevia as primeiras experiências em terras lusas:
“Desembarquei em Portugal, com o desafio de conhecer por dentro os movimentos da educação na terra das sardinhas, do bacalhau, dos fados, das poesias, das magias, dos castelos, com suas histórias marcadas por lutas, massacres e “conquistas”.
Em Lisboa, dei um saltinho ao Largo de Camões. Não fui lá turistar, mas acompanhar um grupo de crianças da educação básica, juntamente com um grupo de educadores teimosos, que acreditam, como eu, na construção urgente de uma nova educação.
O início do cortejo se deu na porta da escola. As crianças foram recebidas com a música “Pedra filosofal” de Antônio Gedeão. No violão, o amigo e educador João. Na voz do educador Tiago, seguido do “coro” dessa amiga que vos escreve, do Professor Zé, das educadoras e dos demais “figurantes”, que transitavam pela rua. Até parecia uma cena de filme.
Pedacinho da música: “(lá, rá, lá, rá, lá, lá) sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos uma criança (…) não sabem que o sonho comanda a vida)”.
Foi interessante ver pessoas tirando fotos. Outras, gravando no celular, sem entender muito do que ali acontecia, tudo envolto num clima de alegria. Foi um acontecimento, no sentido mais amplo do processo de uma construção viva de conhecimento em ato. Os olhos dos miúdos brilhavam. Podemos até dizer que iniciamos uma “aula-passeio” do Freinet.
Descrevo aquele acontecimento como um cortejo acompanhado por uma trilha sonora. Lá fomos, rua afora, até ao Largo. Os pequenos seguiam entusiasmados, enxergando outra Lisboa. Abria-se uma outra cidade para eles. Imaginai para mim!
Na andarilhagem nas ruas, eles iam trocando suas expectativas sobre o poeta, que tinha a sua estátua bem no meio do Largo. Com olhos atentos, os pequenos faziam perguntas, interessados em saber:
“Como Camões perdeu o olho?
Por que tinha uma estátua dele? Ele nem rei era!
Quem o ensinou a escrever poesias?
Por que foi preso?”
Porquês, porquês, porquês… Cada pergunta suscitava outras perguntas, que aguçavam ainda mais a curiosidade e o desejo de pesquisar sobre a famoso personagem. Fazendo um trocadilho com o Krenak: A vida não é útil. A curiosidade, sim! É uma válvula motriz, que move o mundo.
O cortejo não terminou ali. Seguimos para a Travessa das Laranjeiras, lugar simpático e frutífero, literalmente falando. Lá, sentamo-nos sob a sombra das laranjeiras do outono português, um cenário comum nas ruas por onde passei. A válvula da curiosidade foi acionada. E lá veio pergunta:
“Quem deu o nome de Rua das Laranjeiras?”
Continuando o cortejo seguimos para uma tasquinha (pequena mercearia), do avô de uma das crianças, que nos recebeu carinhosamente. Ainda que não entendesse do que se tratava, esses momentos foram reveladores: ainda há quem acredite que o aprendizado se dá dentro de uma sala, ou em grandes caixotes de concreto ou gaiolas, seja lá de que material for?
Tomamos um “galão” e, ali, na pequena e estreita rua, as crianças recebidas com música portuguesa se despediram com música brasileira: “O Sol”, de Vitor Kley. Todos cantando no meio da rua, não como uma despedida, mas com desejo de um reencontro.”
Se a Cléo autorizar, prosseguirei a transcrição de memórias felizes.
Por: José Pacheco
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