Quarteira, 23 de dezembro de 2041
Apesar de Portugal receber milhares de imigrantes provindos do Extremo Oriente, da África, do Leste Europeu, a comunidade brasileira era a maior das comunidades estrangeiras. Muitos dos brasileiros residentes eram educadores, que tinham encontrado na Escola da Ponte do início do século a educação desejada para os seus filhos.
De norte a sul do país, muitos dos projetos despontavam, frutos da iniciativa de professores e pais de jovens brasileiros. Sinal evidente de integração social era o fato, por exemplo, de a Presidente da Associação de Pais da Escola da Ponte ser… uma brasileira.
Tenho andado a garimpar umas caixas esquecidas no sótão da casa de Vila das Aves. Entre arqueológicos testemunhos de pedagógicas andanças, encontrei uma velha pen drive, onde guardara “impressões” de uma viagem a Portugal. Pedi autorização à sua autora, para as divulgar. Eis o que a Cléo escreveu, vai para vinte anos:
“Vou falar um pouco das minhas andarilhagem e dos desafios, que me instigaram a mudar de mala e cuia para 7.199,95 km de distância do nosso Brasil. Não sei se, por obra do acaso ou se pura estratégia da Vida, saí do meu país para trabalhar em Portugal, justamente nesse momento crítico, por que passam os brasileiros. Nosso país está como uma nau desgovernada com leme solto. Mas, depois das tempestades, há de vir a bonança, um esperançar freiriano para 2022.
Em breve, vamos voltaremos a sonhar, a comer frango, a ter pão. A poder sorrir, a exercer democraticamente nossa cidadania. Levantaremos a bandeira dos Júlios, dos Henriques, das Lúcias, dos Renes, dos Jeans, dos Krenaks e de tantos outros.
Nesta terra, há 40 anos, um educador juntou-se com duas educadoras e um grupo de pais, e iniciaram um processo de transformação. Me refiro à escola que o psicanalista, educador e escritor Ruben Alves se referia:
“Encontrei a escola com que sempre sonhei: a “Escola da Ponte”. Me encantei vendo o rosto e o trabalho dos alunos”.
Pasmai, leitores! A Ponte é pouco conhecida em seu próprio país. É bobagem! Mas, como diz o velho ditado: “Santo de casa não faz milagres”. Entretanto, é uma das escolas mais visitadas do mundo. O educador Zé Pacheco tem muitos livros publicados mundo afora e nenhuma das obras está publicada em Portugal.
Não irei ater-me na Ponte, mas se faz importante partir dela, para dar continuidade a narrativas luso-brasileiras.
A experiência que estou vivenciado em Portugal em nada se distância da educação que temos no Brasil. Sim, aquela educação bancária do século XIX, representada no “Another Brick in The Wall” dos Pink Floyd. Mas, no hemisfério Sul, acontece uma das maiores transformações educacionais, rompendo o paradigma da instrução, avançando para o paradigma da aprendizagem, alicerçado em escritas e práticas de grandes educadores.
Este prelúdio é um convite para dialogarmos sobre uma nova construção social educacional. Para despertar a válvula motriz chamada curiosidade e o desejo de construir com muitas mãos este sonho. Convido-os para essa partilha e troca sobre Antropogogia e a co-criação de uma Educação Inovadora em Ato.”
No 23 de dezembro de há vinte anos, educadores éticos se encontraram em Tavira, inaugurando um novo tempo, iniciando a contagem regressiva para o cessar da impunidade.
A Cléo marcou presença nesse encontro do primeiro dia do resto da vida da instituição Escola. E não tardou a embarcar para o seu Brasil, para, com outros extraordinários educadores, ajudar a devolver à escola a sua vocação.
Uma década de mudança e inovação começava nas duas margens do Atlântico.
Por: José Pacheco
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