Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLX)

Louredo, 10 de janeiro de 2042

Pelos idos de vinte, o meu amigo José Matias Alves “postou” no Facebook um texto encimado pelo título “Libertar a Escola da Ideologia Prisional”. Eis o que o José escreveu:

“Os alunos passaram a ser obrigados a estar mais tempo na escola. A ideologia da escola a tempo inteiro foi-se disseminando e naturalizando sob a pressão da desregulação e da escassez do tempo familiar. Paulatinamente, a escola foi sendo obrigado a ser tudo: lugar de instrução, de socialização, de estimulação; lugar de salvação para a progressiva desresponsabilização da sociedade, das famílias, das instituições sociais que operam no território; lugar de custódia, de guarda, de parque, de exílio.

Ora, este cenário é impossível de manter. A exploração do trabalho não pode minar toda a vida familiar e sobredeterminar a vida social (…) porque pode destruir a missão central da escola, que não pode deixar de ser a promoção do conhecimento que emancipa, inclui e liberta.

Há, claramente, um excesso de escola única, prescritiva, padronizada e coarta a liberdade de aprender. E que é preciso denunciar. Um excesso e uma imposição que transforma as crianças e os adolescentes em reféns de uma escolaridade obrigatória de natureza totalitária. E os professores em guardas quase prisionais.”

No janeiro de 2022, fui de Lisboa a Braga, na intenção de ajudar a libertar as escolas e as comunidades da “ideologia prisional”. Na estação do trem, esperava-me uma notável pianista, a Jaqueline, acompanhada de um excelente cozinheiro, o João. Dois jovens emigrados na Alemanha, que voltaram à pátria para ajudar o seu povo a libertar-se da “ideologia prisional”.

Depois de um opíparo jantar minhoto, servido pela Maria e pelo António, rumei a Vieira do Minho. Na sede do agrupamento de escolas, reuni com o Fernando, a Glória e outros educadores. E voltei à estrada, numa rota que bem conhecia, do tempo em que, no meu carrinho em segunda mão, ia ajudar o meu amigo Tozé a transformar a educação de Montalegre. 

Quando, no início dos anos noventa, passava pelo Sudro, a caminho de Montalegre, não suspeitava de que, na encosta protetora do Cávado, uma comunidade resistia ao desgaste do tempo e de uma modernidade tardia. Por essa altura nasciam aqueles que fui encontrar no início dos anos vinte. Era gente jovem e outra menos jovem, tinham em comum o amor à terra e a consciência de que, pela educação, ali poderiam permanecer e melhorar a trabalhosa vida serrana.

Conversei com o António historiador, com o Padre José, com o Casimiro e outros familiares do João cozinheiro. Junto à lareira – lá fora, a temperatura andava perto dos zero graus – sentado num escano (para quem não saiba, trata-se de um banco com espaldar alto), saboreei pinhões, jeropiga, vinho tinto, acompanhando um belo almoço. 

O Ricardo e o João, dois jovens amigos, nos fizeram companhia na visita ao centro educativo do Cávado. Esses dois engenheiros manifestavam a generosa intenção de trocar a relação com máquinas pelo relacionamento com pessoas, aderindo a um projeto educacional. Na próxima cartinha, vos falarei do que foram os centros educativos e dos seus trágicos efeitos.

A Jaqueline chegara da Alemanha, para melhorar a vida do seu povo. Durante a passagem por Crasto, nunca parava de cantar. No dia de regressar, a Jaqueline trocou Bach por Jorge Palma. Acompanhei o seu cantar com o sentimento de que o meu tempo de estrada estava chegando ao fim, enquanto o daqueles jovens apenas começava: 

“Enquanto houver estrada para andar / A gente vai continuar / Enquanto houver ventos e mar / A gente não vai parar”.

 

Por: José Pacheco

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