Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXVII)

Ponte da Barca, 19 de janeiro de 2042

No Portugal de há vinte anos, a comunicação social dava conta da existência de uma aldeia onde, desde o início do século, crianças não eram vistas. Germil era uma aldeia sem crianças. Situada no alto da Serra Amarela, contava 49 habitantes, a maior parte com mais de 60 anos.

“Maria Gonçalves, de 93 anos, passa o dia em casa à lareira, mas a alegria vem de espreitar pela porta as ruas desertas da terra que a viu nascer. A habitante mais velha da aldeia recorda o tempo em que por ali havia “muita canalha”. A última das três antigas escolas primárias de Germil encerrou nos anos 90 do século passado. Os edifícios foram transformados em habitação e sedes da junta de freguesia e de uma associação local. Há muito que não se vê uma criança. A última nasceu há 20 anos.”

O presidente da União de Freguesias lamentava:

“É triste ver estas aldeias a ficarem desertas. É quase tudo gente reformada. Emigrantes que voltaram e outros que estão na terra, mas também já se reformaram. A maioria tem mais de 60 anos”.

No universo de 760 habitantes de três aldeias serranas, restavam 39 meninos e meninas. Dentro em pouco, também essas crianças se iriam dali, para não voltar. Ficariam os velhos e casas abandonadas, que se quedariam ruínas compradas por estrangeiros..

O processo de extinção de escolas – mais uma estulta iniciativa ministerial – culminou por volta de 2006. Escolas com menos de dez alunos deveriam fechar. A medida inseria-se no “reordenamento da rede escolar do 1º ciclo”, que o governo pretendia concluir durante a legislatura. Era doloroso ver como um Secretário de Estado da Educação, por quem eu nutria grande admiração, contribuia para esse grave atentado:

“A existência de escolas dispersas com um número reduzido de alunos tem todo o tipo de inconvenientes, desde prejuízos pedagógicos graves, problemas de socialização, de aproveitamento dos alunos”.

Inconvenientes? Prejuízos pedagógicos? Problemas de socialização? De aproveitamento? Que Deus nos valesse! Inconveniente era destruir culturas, matar comunidades. Prejuízos pedagógicos seriam os resultantes do modelo educacinal criminosamente imposto às escolas. E que socialização ofereciam os chamados “centros escolares”? 

Em 2003, havia 7.843 escolas do 1º ciclo do ensino básico. Vinte e cinco por cento dessas escolas deveriam ser abrangidos pela medida. O ministério definiu como objectivo “encerrar a maior parte das escolas com dez alunos” e, até março de 2009, uma boa parte das que tinham menos de vinte alunos. 

De burrice em burrice (sem ofensa para os burros, que eram bem mais inteligentes), os burocratas do ministério foram desertificando povoados. As crianças passaram a ser transportadas para os grandes centros populacionais e armazenadas nos chamados “centros educativos”. Na realidade, eram centros deseducativos, bonitos na aparência, feios nas práticas.

O pretexto para a extinção de escolas era o de elas contarem menos de dez, ou vinte alunos, fundamentação de alto coturno pedagógico, como se vê. Talvez houvesse ocultas razões de natureza economicista na base da medida. Porém, se as houve, elas se mostraram onerosas, ao obrigar à construção de megalómanos prédios, à contratualização de transportes escolares e à prestação de serviços de transporte em táxis. 

Nos idos de vinte, muitos centros educativos contavam com menos de dez alunos por professor. Essa ratio enquadrava-se na trágica medida ministerial. Se assim era, segundo princípios da “pedagogia predial”, por que razão o ministério não mandava fechar os centros educativos?

Por: José Pacheco

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