Macieira da Lixa, 20 de janeiro de 2042
“Mãezinha, poderá fazer-me o favor de cuidar da sua neta? Hoje, ela não irá à escola. Vários alunos deram positivo no teste da covid. A escola parece que vai fechar. De novo. Não temos onde deixar a Ritinha”.
Eram frequentes mensagens deste teor, no janeiro de há vinte anos. A nova variante do vírus tinha porta aberta nas escolas. Professores e funcionários adoeciam. Alunos eram mandados para casa. Escola abria, escola fechava, um nunca mais acabar de estultas tentativas de “regresso às aulas”.
Uma estranha loucura se apoderara dos desgovernantes. Partindo do princípio de que as escolas eram prédios, forçavam as famílias a enviar os seus filhos para dentro desses prédios. Muitas as dúvidas tinham os pais. E preocupações. Já se contavam por centenas as mortes de crianças em idade escolar.
Em plena pandemia, mais de 540 mil estudantes do Distrito Federal iriam voltar às escolas. Os jornais davam notícia de que, “depois de dois anos conturbados devido à pandemia”, a expectativa era que, em 2022, todas as instituições tivessem “condição de ter aulas presenciais”. A Secretária de Educação já anunciara que o ano letivo seria 100% presencial e sem a exigência de vacinas para os alunos. Mas, a imunização de crianças começara.
A qualquer custo, a escola única, prescritiva, padronizada, que coarctava a liberdade de aprender, deveria reabrir as suas portas. O sistema de ensinagem nada tinha aprendido com a pandemia. Insistia em imposições sem fundamento, “transformava crianças e adolescentes em reféns de uma escolaridade obrigatória de natureza totalitária. E os professores eram guardas quase prisionais”.
Assim se pronunciava um dos maiores educadores dos idos de vinte:
“Precisamos da coragem de ver e praticar saídas para este labirinto. Agindo numa regulação do trabalho que seja amiga das famílias. Criando respostas no território educativo, que podem incluir os espaços escolares, mas também todos os espaços com potencial educativo. Dinamizando a ideia de uma polis educativa onde todos possam aprender mais. Criando equipas multidisciplinares que apoiem e cuidem do florescimento da vida.
É grande a tentação de transformar a escola numa estação de serviço idealmente aberta 24 horas por dia. Mas isto já não seria uma escola. E seria péssimo para a instituição educativa, para os alunos, educadores e famílias”.
O amigo Paulo reforçava esse depoimento:
“Tenho muito pouca paciência para o sistema educativo tradicional, obsoleto há demasiados anos. Demasiados! As noções falaciosas, que inculcou nas populações, perpetuam-se como pústulas (…) se assim não fosse, haveria muitíssimas formas de apreender e procurar informação, livremente, e de fomentar a arte do trabalho, também livremente, pela pesquisa, pela criatividade, pela entreajuda, pela curiosidade e pela liberdade. Quem quiser ver por fora, saltar fora ou andar por fora, pura e simplesmente recebe a informação de que “isso não está no programa”.
O sistema de ensinagem permanecia indiferente a evidências da sua falência. Entretanto… numa escola do interior, feita de professores “por fora”, era este o ponto três da ordem de trabalhos: “regresso à escola”:
“Cada uma falou da sua percepção e sentir. Falámos de várias iniciativas que têm questionado as diretrizes. Lutar pela defesa da criança, neste momento, não se restringe às condições sanitárias. Essa luta é pela mudança do paradigma”.
Afinal, no tempo da ômicron e à margem dos absurdos do sistema, ainda havia professores reflexivos e críticos das suas práticas.
Por: José Pacheco
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