Maricá, 21 de janeiro de 2042
Queridos netos, faz hoje sessenta e sete anos que a vossa bisavó Luiza partiu para um lugar etéreo, a descansar de uma vida feita de sofrimento, cansaços. Mas, não quero recordar tempos difíceis, quero começar a celebrar o ano de Darcy. E nada mais apropriado do que relembrar o que, há vinte anos, o amigo Nóvoa nos dizia e que tinha tudo a ver com as convicções que Darcy perfilhava: “Em rigor, o que se nos coloca é um problema de sentido: Para que serve a escola nas sociedades contemporâneas?”
Nóvoa apresentava quatro tendências e seis cenários possíveis. Eu não era muito dado a especulações teóricas sem contrapartida de práxis, mas o amigo Nóvoa merecia o meu respeito, e li e reli o que ele publicou em redes sociais.
“As respostas do passado já não nos servem e temos dificuldade em encontrar respostas novas”
Ei-lo que apresenta cenários novos possíveis, entre os quais: a escola como organização centrada na aprendizagem, redes de aprendentes e sociedade em rede. E afirmava que a escola deveria assumir ser apenas uma entre as muitas instituições da sociedade que promovem a educação, criticando a homogeneização, que caracterizara a história do século XX. Defendia a abertura à diferença, a liberdade de organização de escolas, a “construção de diferentes projetos educativos com base em iniciativas de grupos de professores ou de associações, a liberdade na definição de percursos escolares e currículos diferenciados. A abertura à diferença permitiria criar modelos diversos de direção e gestão das escolas.
O Mestre Nóvoa dizia ser necessário que as escolas se libertassem das estruturas físicas em que tinham vivido, desde o final do século XIX:
“Nessa época, há quase 150 anos, os edifícios escolares foram projetos de arquitetos, higienistas, médicos, pedagogos. Hoje, é necessário (…) novas energias, na criação de ambientes educativos inovadores, de espaços de aprendizagem, que estejam à altura dos desafios da contemporaneidade.
Escola centrada na aprendizagem só tem sentido se a sociedade se responsabilizar, progressivamente, por um conjunto de missões que, até agora, têm sido assumidas pela escola. Não se trata de regressar ao debate sobre a relação escola-sociedade, mas antes de promover a construção de um espaço público de educação, no qual a escola tem o seu lugar, mas não é um lugar hegemónico, único, na educação das crianças e dos jovens. A proposta que vos faço rompe com a tradição de ir atribuindo à escola todas as missões e inspira-se nas formas de convivialidade sugeridas por Ivan Illich. A defesa de um espaço público da educação só faz sentido se ele for “deliberativo”, na acepção que Jürgen Habermas deu a este conceito.
Hannah Arendt escreveu que uma crise apenas se torna catastrófica se lhe respondemos com ideias feitas, isto é, com preconceitos. O pensamento contemporâneo sobre educação tem de ir além do já conhecido e alimentar-se de um pensamento utópico”.
Assim falava o amigo António, universitário assumido, mas de outra cepa. Não pertencia ao rol dos palestrantes de discurso vazio. Apesar dos limites impostos pela separação de dois mundos, pensava e agia coerentemente, bem ao contrário dos teoricistas sem chão da escola. Era convidado por ministérios e secretarias, para palestrar e assessorar. Expunha as ideias e propostas, que acabei de apresentar.
E eu ficava perplexo, quando via secretários e ministros impondo às escolas o contrário do que o António dizia.
Das duas, uma: os ministros e secretários eram surdos, ou não entendiam o “português” que o amigo António falava.
Por: José Pacheco
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