Bertioga, 7 de fevereiro de 2042
No janeiro de 2022, a OCDE divulgou o estudo “Back to the Future of Education”. Nele se previa que, vinte anos depois (há dois anos, portanto) a escola estaria possuída pela inteligência artificial, a realidade virtual. Admitia-se no documento o eventual desaparecimento dos professores, ou a sua sobrevivência limitada a conceber conteúdos para serem administrados por robôs.
O relatório da OCDE previa o desaparecimento dos sistemas de ensino existentes nos idos de vinte e a mistura de aprendizagem no domicílio e aprendizagem online.
Embora o estudo refira “ensino”, ousei substitui-lo por aprendizagem, porque, quando demolimos um perverso “sistema”, uma nova construção social de educação evitou o descalabro previsto no documento da OCDE.
Em 2022, milhões de alunos ainda experimentavam os efeitos do fecho dos prédios das suas escolas. As tecnologias digitais facilitavam invasões da vida privada, condicionavam a saúde mental das comunidades, comprometiam o exercício democrático. A Escola continuava a formar autómatos.
Os investigadores da OCDE viam o futuro da Escola como cada vez mais desumanizado. Era posto em causa o conceito de humanidade, pois éramos máquinas sujeitas a manipulações tecnológicas. A ciência e a tecnologia se aliavam ao mundo empresarial global. O capitalismo digital fundia máquinas com humanos dominados por algoritmos.
O ser humano virava produto comercializável. O período pandêmico foi balão de ensaio de burocratas, tecnocratas e mercadores. Triliões de metadados eram usados em marketing, para dominar comportamentos e obter lucro. Nos velhos Instagram e Facebook, poderíamos ler anúncios deste tipo:
“Quer economizar tempo e aumentar a sua renda?
A BNCC te enlouquece? Cansou de tanto tentar e não conseguir? Temos a solução!
Você irá receber planejamentos para-o berçário, pré-escola e educação infantil.
Aulas prontas para professores. É só adquirir abrir e utilizar.
Garanta o preço promocional. Planos de aula prontos de 167 reais por 67,90”.
Numa sugestiva imagem internética, uma jovem falava ao ouvido de outra jovem:
“Amiga, eu encontrei planejamentos anuais de aulas prontos. Faça a diferença na vida dos seus alunos!”.
Havia quem comprasse tais produtos, pois secretários, diretores e supervisores aprovavam a compra. Abutres fossando na carcaça de um velho modelo educacional tentavam disfarçar a sua obsolescência, recorrendo a propaganda enganosa:
“Escolher uma escola de qualidade para os filhos é importante. A metodologia, a grade curricular, a aprendizagem mediada por tecnologia, o espaço de aprendizagem, o corpo docente preparado para os desafios contemporâneos são alguns dos pontos mais importantes na hora de definir onde o seu filho irá estudar.
A nossa escola é reconhecida por unir aprendizagem e conscientização com o meio ambiente. Imersão bilíngue, turmas integrais, Ensino Fundamental inovador e contato com a natureza são alguns dos diferenciais oferecidos na metodologia”.
Desarmados de bom senso, desprovidos de senso crítico, muitas famílias se deixavam seduzir por esse arrazoado delicodoce.
Epstein dizia que a escola servia para “educar humanos por humanos, para o bem da humanidade”. Chamava a atenção para a importância da relação humana na educação e, também, para o fim último da educação: o bem da humanidade. mas, os investigadores da OCDE pensavam à luz do tempo imediato. Os educadores com quem eu convivia encaravam o futuro com preocupação, mas não se dispensavam das suas responsabilidades no presente.
Por: José Pacheco
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