Taquara, 11 de fevereiro de 2042
Num dia de fevereiro de há vinte anos, li num site da Internet a seguinte notícia:
“Uma professora sofreu perseguição, por atuar de forma crítica”.
A denúncia chamou, de novo, a minha atenção para um fenômeno recorrente. A participação do cidadão comum na vida democrática limitava-se ao depositar um boletim de voto numa urna, ou ao apertar um botão. Raramente, acompanhava a condução das políticas públicas. Quando não concordava com alguma medida ou atitude tomada por um governo, o cidadão comum “naturalizava-a”. Para ele, os políticos “eram todos iguais”. O poder tinha campo aberto para a prevaricação e a impunidade.
A notícia dizia assim:
Quem já participou de algum conselho municipal sabe do grande desafio que é incentivar a participação. É comum que as posições defendidas no interior desses órgãos colegiados não sejam amplamente debatidas. Em alguns casos, conselheiros e o público em geral, são constrangidos nesses espaços, por usarem palavras consideradas “desconfortantes” para os representantes do governo, que ficam incomodados diante de questionamentos.
Há um desafio grande para que os conselhos sejam mais críticos e dinâmicos e não simples “chanceladores da política do governo”. A garantia do direito à crítica é fundamental”.
A professora em causa sofreu desconto nos seus salários referentes aos dias em que participou das reuniões (o que contrariava legislação municipal) e a “Abertura de Processo Administrativo Disciplinar”.
Alegadamente, a professora apresentara “fala e comportamento agressivo no cotidiano de trabalho e nas reuniões pedagógicas; deixara de “preencher folha-ponto”, atrasara “a entrega de atividades de recuperação para as suas turmas” e apresentara “comportamento constrangedor contra os pares”.
Como eu nunca preenchera folha-ponto, nem fizera inúteis “atividades de recuperação”, não procurei confirmar se o evento constituiria mais uma manifestação de autoritarismo de uma secretaria. Mas, não me admiraria se o fosse.
No dia seguinte ao da “Revolução dos Cravos”, conversando com um operacional orgulhoso do feito, lhe disse que aquele momento da “revolução” deveria ser o primeiro momento de um processo de “renovação”. Se o povo português adormecera numa ditadura, no dia 24, acordaria democrata, no dia 25?
Volvidos muitos anos, a administração educacional pouco se renovara. O vosso avô foi perseguido, prejudicado, só por querer melhorar a vida das crianças. Talvez um dia vos conte estórias, que não gostaria de contar. Por agora, ficai com mais uma peça de um participativo e democrático diálogo.
“Percebo que existem professores motivados, mas que não encontram apoio em suas propostas, ficando numa sensação de “estranho no ninho”. Que orientações vocês dariam a um professor que tem vontade de modificar e melhorar, mas não encontra apoio – nem moral como também material – em sua Direção, ou Coordenação?”
“Dar-lhe-ei a minha opinião, baseada na minha experiência e no contato com outros colegas, que estão a tentar alterar a sua prática. Remar sozinho e conseguir que, dentro da escola, alguns colegas apoiem é muito difícil. Mas Roma e Pavia não foram feitas num só dia. Tudo tem o seu tempo: Lentamente, começando a existir resultados, esclarecendo todos os intervenientes, é possível mudar algo.”
A administração educacional e a Escola da Ponte sempre seguiram vias paralelas. A primeira, a do autoritarismo; a segunda, a da democraticidade. Embora houvesse um tempo em que, contrariando as leis da geometria, as paralelas se encontrassem.
Por: José Pacheco
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