Apúlia, 1 de maio de 2042
Novas tragédias se sucederam à pandemia. Habitamos a Proto-História do Homem. No tempo que nos coube em sorte viver, os homens dirimiam os seus conflitos, matando em nome de um credo, usurpando territórios em nome da paz.
A Organização das Nações Unidas e outras frágeis instituições desse tempo eram reflexos de uma humanização precária. E a instituição Escola, concebida como berço de oportunidades, ainda era um berço de desigualdades.
O espaço público da Educação ultrapassara a exiguidade das paredes de uma sala de aula, mas muitos educadores ainda não se tinham apercebido dessa mutação. Por seu turno, as medidas políticas que visavam reformar a instituição, estavam fundadas em vícios institucionais jamais questionados e em medidas avulsas. Sucediam-se os decretos e os despachos e os seus correspondentes e gongóricos relatórios.
Acumulavam-se no ministério e nas universidades dispendiosos “estudos”, que não logram ir além de óbvias e ressequidas “recomendações”. Bem nos avisava a Hannah Arendt: tudo quanto é real ou autêntico é atacado pela força esmagadora da «tagarelice» que irresistivelmente emanava do domínio público, determinando cada aspecto da vida quotidiana, antecipando e aniquilando o sentido ou o sem-sentido de tudo.
Guardava relatórios como o da “autonomia e flexibilização” – um dos inúteis projetos lançados pelo ministério da educação – no ficheiro das anedotas sem piada. Vivíamos imersos em diferentes culturas, mas as medidas de política educativa eram aplicadas, indiferenciadamente, em todos os países. A realidade educacional era condicionada por influências transnacionais, num projeto de modernidade ainda por cumprir. Aferíamos o estado do sistema educativo através de estudos comparativos, como se fosse possível reduzir a realidade a cifras, ou comparar o que era, diametralmente, diferente.
As leis preconizavam que se deveria assegurar uma formação geral comum a todos, proporcionar aos alunos experiências que favorecessem a sua maturidade física e sócio-afectiva e criar condições de promoção do sucesso escolar e educativo a todos os alunos. Porém, convivíamos com o “insucesso educativo” como se a expressão não fosse, em si mesma, paradoxal. Como pode a palavra “educativo” ser adjetivo da palavra insucesso?
Nesse tempo, uma administração autoritária ainda fazia calar muitas vozes. Como a do professor que me escreveu:
“A tristeza vem quando me deparo com a realidade das nossas escolas. Pergunto-me: por que será que muitos professores resistem tanto a uma pedagogia diferenciada, quando, para mim e para tantos outros professores a sua pertinência é tão óbvia?”
Recordo uma parábola contada pelo meu amigo Matias:
“Era uma vez um mestre que tinha vários discípulos. Estes veneravam-no e seguiam escrupulosamente todas as suas instruções.
Um dia, o mestre decidiu que era tempo de ir ensinar noutras aldeias. Acompanhado pelos seus fiéis alunos, fez-se à estrada, sentado num carro puxado por dois bois. Ao fim de algumas horas, o mestre, sentindo-se cansado, instalou-se confortavelmente no fundo da carroça e disse aos discípulos:
“Meus amigos, vou dormir um pouco. Tomai conta da minha bagagem. Sede vigilantes e observai atentamente tudo o que cair”.
Os discípulos anuíram e ele adormeceu tranquilamente. A dada altura, a carroça embateu numa rocha e a cabaça do mestre caiu.
Os alunos arregalaram os olhos e viram a cabaça dar um salto e cair num fosso. Observaram-na sempre com a maior atenção”.
Como terá reagido o Mestre? Amanhã o sabereis. Vos contarei.
Por: José Pacheco
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