Amor, 8 de maio de 2042
A década de setenta se completou com uma passagem por Macieira da Lixa, onde o Padre Mário reabriu a velha Casa do Povo. E por Ferreira, onde quase fui assassinado, até chegar a… Vila das Aves.
Encantei-me com aquele lugar e com aquela gente. Compramos uma casinha. E lá fomos de abalada – eu, a Fátima e o André – do Porto para o lugar onde um projeto de escola (e de vida!) surgiria.
A Escola da Ponte era constituída por vários edifícios. Iniciei o meu percurso de trinta anos num velho prédio do bairro da Ponte, feito de uma sala de aula, que, em turnos eu repartia com a “Mãe Dores”. Em menos de um mês, estava integrado. Dois meses depois, apresentava ao Conselho Escolar um documento intitulado “Fazer a Ponte”.
Naquele tempo, ainda não se falava de “projeto”, mas era um projeto o que eu ousava propor. Perguntei se poderia lê-lo e… “Nem pensar, colega!”. Ainda tentei cativar alguma das professoras para partilhar o pedagógico empreendimento, argumentei, li o início do documento, que mais além não permitiram que eu fosse. Pedi que dessem opinião. Deram-na.
A primeira colega foi clara:
“Isso é tudo muito lindo, mas eu tenho mais que fazer. De manhã, dou as minhas aulinhas. E, à tarde, tenho a minha loja para manter, que não tenho meios de pagar a uma empregada.”
A segunda professora ironizou:
“Você é jovem. Tem o sangue na guelra. Deixe passar uns aninhos e vai ver que deixa de ser utópico.”
A terceira, que também era diretora, foi peremptória:
“Não autorizo!”
E por aí se quedou o breve diálogo. As minhas colegas me ignoraram, regressaram aos comentários à “Gabriela Cravo e Canela”. Eu inventei uma ata da reunião, onde não permitiram que eu colocasse registo da proibição. Todas assinaram a ata e eu também a assinei, mas… desobedeci.
Se, entre as professoras, não havia quem quisesse “Fazer a Ponte”, fui à procura de quem quisesse. O Armindo, a Clara, o Augusto, a Henriqueta, o Barros e outros pais e mães dos meus alunos assumiram responsabilidades na primeira associação de pais pós-Ditadura. E com eles me fiz trabalhador da educação ao serviço de um projeto, que uma comunidade adotou.
Decorria o ano de 1976. Vinte anos depois, a Escola da Ponte recebia o Primeiro Prémio do Concurso Experiências Inovadoras, lançado pelo ministério da educação. Trinta anos depois, o Presidente da República me fez comendador da Ordem da Instrução Pública. Entreguei o galardão à Escola da Ponte. Quem merecia homenagem não era eu, era a comunidade constituída, a começar pelos pais.
Hoje, sabemos que a Escola da Ponte foi a primeira a completar a transição entre o paradigma da instrução e o paradigma da aprendizagem. Efetivamente, na década de setenta, o centro já não era o professor, o aluno passara a ter o estatuto de sujeito de aprendizagem.
Através das Atividades de Tempos livres – apesar de todo o tempo ser tempo livre – o chamado “tempo integral” foi instaurado. Todo o tempo era autonomamente gerido. Não faltaram as imposições: “Tem de dar aula!” “Tem de dar nota!” “Tem de trabalhar na sua sala de aula”. “Porquê?” – perguntava. A resposta era nenhuma.
Seguiram-se conflitos sem fim, ameaças ministeriais. Valeu-nos o incondicional apoio das familias, da comunidade. Mais tarde, inovaríamos, também, no domínio da Direção e Gestão, pois o órgão de Direção era maioritariamente constituído por membros da comunidade. Não existindo diretor não havia… “dever de obediência hierárquica”. Mas, todas as conquistas foram “sol de pouca dura”.
Queridos netos, a história da Escola da Ponte foi feita de sofrimento e resiliência. A ela voltarei.
Por: José Pacheco
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