Arruda dos Vinhos, 1 de junho de 2042
Quando um ministro dizia que “muita coisa” melhorara, que o “sistema melhorou”, o que teria melhorado?
Não dizia. Quanto muito, no campo da educação, diria que já todos os meninos iam à escola. E essa afirmação equivalia a fazer um elogio fúnebre da “massificação” do ensino. Pois, como diria o amigo João:
“Antigamente, eles não iam a escola. Agora, apanham-nos lá dentro e reprovam-nos. Afastam-nos com processos disciplinares. Mandam-nos para centros de explicações, para aulas suplementares de mais do mesmo. Envia-os para a educação de adultos, ou para escolas de “segunda oportunidade”.
No Portugal dos idos de vinte, o modelo educacional prevalecente na maioria das escolas era o mesmo de duzentos anos antes, ainda que enfeitado de computadores e projetinhos, um instrucionismo disfarçado de comunidade de aprendizagem, de ensino híbrido ou de outras modas pedagógicas
À margem do irresponsável e dispendioso aventureirismo ministerial, uma escola logrou emancipar-se do modelo instrucionista. Foi reconhecida como a escola mais inovadora do país, recebeu a visita do Presidente da República, foi-lhe atribuída a mais alta condecoração que uma escola pode receber: a comenda da ordem da instrução pública. Como se não bastasse, foi distinguida com um contrato de autonomia, que lhe permitia concretizar uma efetiva gestão flexível do currículo e até selecionar professores que assumissem valores e princípios do seu projeto.
O exemplo dessa escola poderia inspirar o ministério e contribuir para evitar uma hecatombe escolar. Ela resistiu quanto pode. Ao cabo de alguns anos, roubaram-lhe a autonomia, retiraram-na da comunidade onde nascera, isolaram-na em território hostil.
Quem me perguntava por que razão eu fora embora do meu país, sabia a resposta. Sobrevivera um cansaço de dezenas de anos de confronto com a burocracia instalada no ministério. Porém, há exatos vinte anos, declarações de um ministro e de um secretário de estado, que eu bem conhecia, devolveram-me algum ânimo. E pedidos de ajuda, provindos de familias, autarcas, escolas, diretores, me fizeram voltar.
A súbita euforia seria decorrente da situação vivida durante a pandemia? Seria uma tardia tomada de consciência?
Por essa altura, o amigo Domingos assumia a presidência do Conselho Nacional de Educação. A Presidente cessante, a Maria Emília, assim se referiu à escola de que vos falo nesta cartinha:
“Num colóquio, a alguém que lamentava os professores da escola da Ponte por “terem que ser missionários”, respondeu José Pacheco: “Antes missionários, que demissionários!” (…) Parece haver consenso quanto à necessidade de busca de novas formas de escolarização e de organização escolar, de adequação a novos paradigmas de mudança. E por que é importante a experiência da Ponte?
Em primeiro lugar, como um exemplo possível duma escola pública diferente, que desnaturaliza algumas características da escola tradicional e quer ter em conta as mudanças económicas, políticas e tecnológicas ocorridas ou em curso e, ao mesmo tempo, reforçar e desenvolver as suas qualidades democráticas e democratizadoras.
Em segundo lugar, como um ensaio de modos de inovar que sejam desejados e construídos pelos próprios interessados, designadamente pelos professores, a partir da escola, da sua situação, dos seus atores e parceiros.
Em terceiro lugar, como uma concretização de uma teoria e de uma prática de formação de professores baseadas “no exercício profissional em contexto, combinando a ação e a reflexão coletivas”.
Por: José Pacheco
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