Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXXIX)

Devesas, 9 de julho de 2042

Hoje, ninguém imagina o que era a vida ´de nómada do vosso avô. Dormindo em cama diferente, quase todas as noites, gastando muitas horas em viagens, ficando sem saber como chegar a certos destinos… Foi o que aconteceu neste dia de julho de há vinte anos.

Estava no norte de Portugal, participando num congresso. No final, quando os companheiros de jornada foram almoçar, eu fiquei sem almoço, pois precisava de ir para sul no trem do início da tarde. Quando os participantes no congresso foram fazer um belo passeio de barco, eu fui para uma estação, passar cinco horas de espera pelo último trem do dia, porque perdera aquele em que precisava viajar.

Durante o congresso, escutei discursos em tudo idênticos aos de vinte anos atrás. Apontava-se a necessidade de “sair da sala de aula”, de “sair da caixa” (sic) e a docência em sala de aula se perenizava. 

Apesar dos pesares, não lamentei penas e danos. Muito aprendi naquele congresso. E recuperei a confiança perdida. Durante os vinte anos de minha diáspora, uma nova geração de empreendedores sociais surgira. Escutei intervenções de empresários e educadores, criticando: “Não pode continuar sendo o professor a falar e os alunos a ouvir”. Escutei dizer que “aprendemos em rede, numa escola da aprendizagem”.

Alguns dias após esse congresso, voltei à mátria brasileira. Na bagagem levava renovada esperança nas possibilidades de redenção de pecados velhos. Talvez o novo ministro conseguisse ultrapassar dificuldades colocadas pelo monstro burocrático a que presidia. 

Isso disse a um cético funcionário do ministério. “Oremos!” – foi o seu comentário – “Não vês o que se passa? Por que temos guerra na Ucrânia?”

O funcionário estava coberto de razão. Desde há mais de um século, o instrucionismo agonizava. As práticas fundamentadas no paradigma da aprendizagem eram escassas e, quase todas, caricaturais. A síntese dos dois paradigmas acrescentada de contribuições do paradigma da comunicação ainda demoraria muitos anos a chegar. Enquanto não chegou, novas ucrânias e extremismos como a xenofobia se consolidaram, a barbárie se instalou. Como dissera a Mónica, “quando o Homem para de se questionar, a humanidade para de evoluir”.

Pitágoras dissera que, educando as crianças, não seria preciso castigar os homens. Mas, na década de vinte, ainda havia quem propusesse diminuição da idade dos potenciais prisioneiros. Talvez essa proposta se baseasse no pressuposto de que os criminosos já nasciam criminosos, que o criminoso não era uma construção social. Muitos jovens se transformavam em “marginais” quando lhes eram negadas oportunidades numa sociedade desigual e injusta, ou quando tomavam consciência de terem sido roubados desde o momento em que se nasceram. 

Apesar da escola, a década de trinta viu despontar uma nova educação. Associações de moradores e de pais, líderes locais, representantes do poder público de comunidades já não eram considerados objetos de intervenção, ou convidados a ir à escola. assumiam-se como sujeitos, autores de mudança. Já não se levaria a comunidade para a escola, nem a escola para a comunidade, pois a escola era um nodo de uma rede, de uma comunidade. e havia efetiva aprendizagem ao longo da vida e transformação social, traduzida na melhoria das condições da qualidade de vida dos cidadãos.

Como vedes, a esperança com que eu ficara, no final do congresso de Gaia, se justificava. Octogenário, eu já não conseguia acompanhar a evolução dos projetos. Mas sentia que tinha valido a pena cirandar pelo mundo e perder o trem do início da tarde.

 

Por: José Pacheco

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