São Caetano, 28 de setembro de 2042
No Facebook de há vinte anos, li uma mensagem anunciando o “lançamento do início das obras do maior complexo educacional” (sic), que uma cidade brasileira já vira.
O amigo que me enviou a mensagem era uma pessoa que eu admirava, um ser humano generoso e culto. Porém, na busca por melhores dias para a educação, deixara-se seduzir pelo chamado “Modelo Finlandês”.
Eu assumira com o meu amigo um compromisso e, pela lealdade devida a esse amigo e porque nunca pecara por omissão, seria meu dever de consciência comentar a ocorrência. Assim fiz.
Não emiti uma mera opinião. Elaborei-o a partir de alguns excertos do anúncio da obra, fundamentando-o no conhecimento da educação que na Finlândia se fazia e em contribuições das ciências da educação. Nesta cartinha transcrevo parte desse comentário
O “complexo educacional” apresentava-se como “Escola do Futuro”, mas não passava de um amontoado de prédios, uma escola do passado, mais uma importação de modismos pedagógicos.
Disse-me esse bom amigo que se tratava de “nova arquitetura”, mas ela era velha de décadas. Encontrei-a na Escandinávia, na década de oitenta. Adaptei-a em Portugal e me arrependi. Debati-a em Roma, muitos anos atrás.
Lia-se no “Projeto” que haveria *gestão democrática” e uma escola voltada para o desenvolvimento comunitário, integrada com as famílias e que funcione aos finais de semana.”
Mas, que gestão democrática seria possível, se os professores continuavam a padecer do dever de obediência hierárquica? A expressão “desenvolvimento comunitário” não passava de mais um chavão abusivamente decalcado de um qualquer manual de ciências da educação. E como se daria a “integração das famílias”? Por que só haveria “integração” nos finais de semana?
Aspirava-se à “dedicação exclusiva” dos professores e ao estabelecimento de “metas de desempenho”. Para tal, se fizera “uma parceria com uma organização”, que (na opinião do meu amigo) dispunha dos “melhores especialistas do assunto” e de uma “nova formação”.
A “dedicação exclusiva” e a “avaliação de desempenho” não eram novidade. A Ponte já as concretizara, trinta anos antes da Finlândia. E quem eram os formadores dessa “nova formação”?
Eram economistas, licenciados em Letras e Direito, produtores de material didático, diretores de startups, funcionários de “Edtechs”, “padronizadores da avaliação”, administradores, doutores em Relações Internacionais… Que saber-fazer detinha essa bem-intencionada gente, que lhe permitisse desenvolver uma “nova formação”, uma formação transformadora?
A mensagem terminava com a notícia da formalização de “uma aliança com uma universidade estrangeira”, para que se “transferisse o pacote tecnológico de formação de professores para as cidades brasileiras”.
Tratava-se de uma afirmação leviana, operação de marketing. As ditas “melhores práticas de formação” não viriam do Norte, elas estavam no sul. Muito menos seriam provindas de uma qualquer universidade.
Durante muitos anos, muito dinheiro público foi desperdiçado em megalómanos edifícios e viagens a países do hemisfério norte, enquanto escasseava o apoio a projetos de qualidade superior, no sul.
“Enchi meus olhos d’água. Esse era um grande sonho de meu pai. Mas, sonho não enche barriga de ninguém! Eu sou muito simples e prática nessa vida! E vejo perder-se tudo, por falta de dinheiro.”
A Maria lamentava o fim de um projeto de humanização, enquanto milhões eram desperdiçados em mais um “elefante branco”, que acabaria por cair na lata do lixo da história da educação.
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