Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXV)

Piratininga, 3 de outubro de 2042

Há quase cinquenta anos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional abriu caminho para o exercício da autonomia. O artigo 15º rezava assim: 

“Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira”

O Plano Nacional de Educação estabelecia um prazo limite para cumprimento da Meta 19. Isto é: criar condições de gestão democrática, condições do exercício de autonomia, que deveria ser prática comum em todas as escolas.

Porém, decorrido o prazo, os escassos normativos publicados padeciam da “Síndrome da Mulher de César”, de que vos falei na cartinha ontem enviada. Não mereciam ser levados a sério. Eram tentativas de sutis e pouco democráticas regulações e controle. 

Até à segunda década, não fora publicado qualquer decreto que estabelecesse um regime jurídico da direção, administração e gestão de escolas baseado em critérios de natureza pedagógica e científica. Parecia não existir lugar para a autonomia no império da burocracia. 

A gestão pedagógica, pedra angular da autonomia, era omitida, ou apenas enfeitava preâmbulos de decretos, deixando perceber que os legisladores confundiam a administração de uma escola com a administração de um hospital, ou de um boteco, agindo como se pudéssemos esperar o trem na paragem do ônibus. 

Por que razão o ministério não respeitava acordos? Por que não cumpria contratos por si assinados? Por que, impunemente, agia à margem da lei? 

Era surpreendente a apatia dos professores. Era preocupante que não se apercebessem das artimanhas de políticos autoritários e micro-ditadores “democraticamente” eleitos. 

Era “elementar, caro Watson”: Como poderia uma escola heterônoma educar em  autonomia? Como poderia uma gestão não-demccrática ensinar democracia?

Tal como convosco falava, no início deste século, talvez seja a altura de vos recordar, metaforicamente,  algumas personagens, de as convocar para cartinhas semeadas de porquês. 

Para não ter de passar pelo divã do psiquiatra, o vosso avô metaforizava, para lembrar que nas escolas se fazia sentir a perfídia do borogóvio, pássaro lastimável por ser aparência de pássaro sério. 

Estudando os gorogóvios dos idos de vinte, talvez encontrássemos explicação para certos fenômenos aparentemente incompreensíveis, numa América Latina ciclicamente governada por ridículos tiranos. 

Todos os países nela constituídos passaram da monarquia para um regime republicano. Todos, exceto um, o Brasil, que passou de um regime monárquico para um império, o que não augurava nada de bom. 

Pela mão de um Benjamim positivista, a educação brasileira nasceu sob a égide da ordem e do progresso. À espera de uma nova ordem e carentes de um progresso sustentável, as escolas permaneciam cativas de um obsoleto modelo educacional introduzido por vontade do general Bolívar e dependentes de caprichos de gorogóvios corruptos. 

Hoje, sabemos que, nos anos que se sucederam aos dramáticos acontecimentos dos tempos do medo e do ódio,  as gaivotas que sofreram o fustigar das asas dos gorogóvios aprenderam no canto das almas sensíveis a arte de voar com todos os ventos, sem esquecer que o importante, como diria a Clarice, não seria a velocidade, mas saber qual a direcção.  

Nos idos de vinte, se abriram claridades, se romperam cinzentos horizontes.  E, hoje, na lagoa azul, que vedes da Terra do Brincar, espelham-se voos de branca paz.  

P.S.: Querido Marcos, aproveito o ensejo para te dar os parabéns pela passagem do teu trigésimo nono aniversário.

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