Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXXII)

Bauru, 10 de outubro de 2042

Ainda que sem que disso tome consciência, a criança age filosoficamente, buscando verdades, como que reconstitui a história da filosofia dos adultos. Thales afirmava ser a água o elemento fundamental da matéria. Anaxímenes acreditou que fosse o ar. Para Xenófanes o elemento fundamental era a terra. Heráclito afirmou que era o fogo. E chegou Empédocles, para explicar que o mundo é combinação da água, ar, terra e fogo. 

Permiti, pois, que vos narre mais um episódio, confirmação da infantil prática da verdade. 

Uma professora tentava convencer os alunos a comprar uma cópia da foto do grupo: 

“Imaginai que bonito será, quando vocês forem grandes e todos digam “Ali está a Catarina, é advogada. Este é o Miguel e, agora, é médico.”

Uma vozinha, vinda do fundo da sala, se fez ouvir: 

E ali está a professora… Que já morreu.”

Na boca das crianças, a verdade chegava a ser crueldade…

“A tia desculpe!” – disse a aluna.

“Por quê, minha filha?” – quis saber a professora.

“É que eu chamei a senhora de idiota.” – esclareceu a criança.

“Eu não escutei nada!” – disse a professora, sorrindo.

“Foi só em pensamento…” – esclareceu a criança.

Há vinte anos, duas conceções de sociedade e de civilização estavam em confronto. Vivia-se uma situação semelhante à da imposição de uma “verdade” única, que levou Espinosa ao exílio e Galileu à retratação perante o Tribunal da Inquisição. Talvez seja possível caracterizar a situação vivida no início dos anos vinte, metaforizando.

Conta-se que um filósofo conversava com o diabo, quando passou um sábio com um saco cheio de verdades, do qual uma caiu. Alguém a apanhou e saiu correndo, gritando: 

“Encontrei a verdade!”

Perante esse quadro, o filósofo disse para o diabo: 

“Aquele homem encontrou a verdade e, agora, todos vão saber que você é uma ilusão da mente.” 

Mas, o diabo respondeu: 

“Está enganado. Ele encontrou um pedaço da verdade. Com ela, vai fundar mais uma religião. E eu vou ficar mais forte!”

O secretário encerrou a reunião, insistindo:

“Professor, diga a verdade! Você não é diferente das outras pessoas!”

Enganava-se o secretário. Somos todos diferentes, únicos e irrepetíveis.

“Diga a verdade, professor. Você tem casa, deve ser muito rico…”

“Nada tenho de meu, a não ser um computador e a roupa com que me visto.”

“Não acredito. Diga a verdade, Professor, que a gente o perdoa!”

O Brasil de 2022 era uma sociedade semi-apodrecida pela mentira. E, na boca daquele secretário de educação, a verdade – ou lá o que isso fosse para ele – era impropério. Vim a saber que estava ligado a uma igreja (melhor dizendo, uma seita) e que usava a Internet para semear mentiras em redes sociais, com a intenção de denegrir um candidato a presidente. 

Educadores preocupados queixavam-se de ver tanta mentira à solta. Diziam não poder admitir que a mentira prevalecesse. Perguntei-lhes:

“Quem educou esses mentirosos?” 

Não responderam, e se mantiveram em salas de aula, ancorados em práticas instrucionistas, reproduzindo um modelo escolar disseminador de um sistema social iníquo, semeado de mentiras.

Toda a educação resulta do exemplo. Toda a aprendizagem vive da imitação, é antropofágica – não se aprende aquilo que o outro, supostamente “ensina”; aprende-se o outro. O que esperar de uma escola doente de mentira?

Certamente, haveria muitas verdades para a verdade em que acreditávamos. Se eu via as coisas de um modo e o outro as via de outro modo, urgia que se tentasse ver os dois modos, vê-los juntos, como Gandhi: 

“A minha preocupação não está em ser coerente com as minhas afirmações, mas em ser coerente com a verdade.”

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