Restinga de Maricá, 29 de outubro de 2042
Encontrei nuns escritos, que o Mestre Lauro me ofereceu, um princípio de explicação para o fato de a educação do início do nosso século ter parido tantos homofóbicos e mentirosos, tantos desumanos corruptos e autoritários. Lauro questionava a figura do diretor burocrata da escola prussiana:
“Foi dada uma função educativa ao diretor, que se reduz, atualmente, a mero administrador, manipulador de papelório e ecônomo. É hora de abandonarmos a ditadura escolar de diretores e iniciarmos os jovens no autogoverno. A experiência universal demonstra que é deste regime escolar que saem os futuros cidadãos de uma democracia, autônomos e responsáveis.”
O Mestre Anísio afirmava que ser cidadão se aprendia na escola pública, num projeto de educação vinculado a um projeto de nação democrática e inclusiva. E Darcy apelava aos educadores para que fizessem da escola “um lugar da libertação do sonho, de uma prática de vida ampla e diversa.”
O Brasil dispunha de conhecimento teórico suficiente para inverter a situação, mas as teorias estavam sequestradas nas teses dos académicos, ornamentavam as suas palestras. E as intenções de Darcy, Lauro e Anísio eram neutralizadas pela mentalidade prussiana da administração educacional.
Os prédios das escolas refletiam essa mentalidade. Ontem, vos demonstrei o quanto as construções escolares eram reflexos de uma cultura feita da reprodução de solidões. E, também, o quanto a cultura pessoal e profissional dos professores, diretores e administradores se opunha ao trabalho cooperativo.
O crescimento demográfico e a “massificação” obrigou à construção de mais prédios escolares. Mas, como disse um senhor chamado Hyland, as novas construções “não reflectiam nenhuma mudança significativa em termos de direcção educacional”.
A preocupação com a redução de custos provocou uma nova abordagem no design escolar. A racionalização do design resultou na redução de espaço por aluno, sem que houvesse redução de áreas destinadas ao ensino. Inovações da época incluíam a redução na altura das salas e a utilização de áreas com dualidade de propósitos.
Nos anos sessenta e setenta, o design em “open space” foi utilizado no mundo empresarial e foi popular em termos de arquitectura escolar, especialmente nos países escandinavos e nos da América do Norte, embora o conceito se tenha difundido globalmente.
A primeira escola primária “open plan” foi construída, em 1959, em Finmere, Grã-Bretanha. A escola de “área aberta” – como, em Portugal, se chamou – era um edifício construído de acordo com um design que não incluia salas de aula.
Pouco tempo durou esse projeto. Os professores queixavam-se de não poder dar aula, por ouvirem os gritos do professor da sala do lado. Pediram que fosem colocados armários a tapar as passagens entre salas. A direção das escolas foi mais longe, solicitando autorização aos seus “superiores” para erguer paredes. Os “superiores” autorizaram. Paredes foram erguidas.
Pois ficai sabendo que, quando me vi como prefeito, logrei fazer construir duas escolas de “área aberta”. Nos idos de vinte, essas eram as únicas escolas ainda fieis ao modelo original.
As escolas escandinavas construídas em Portugal, a partir dos anos setenta, foram iniciativas frustradas de uma nova arquitetura escolar. A única escola portuguesa resistente a adulterações foi a da Ponte. Nessa escola, havia trabalho cooperativo, não havia sala de aula. Muitos pesquisadores a estudaram. Muitos académicos a admiravam, enquanto continuavam a ensinar… em sala de aula.
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