Alto do Gaia, 30 de outubro de 2042
Na manhã de um distante domingo, a Cléo saiu de casa decidida a contribuir para o encerramento do último capítulo de uma história pátria feita de colonialismo e morte, da qual emergisse um tempo de manifestações de uma mátria descolonizadora, de vida feliz.
Eu fui para o computador, cumprir um hábito dominical, o de enviar uma mensagem através do WhatsApp – estais recordados desse antigo aplicativo? – algo semelhante a uma liturgia.
Através dessa liturgia, buscava contribuir para a união dos crentes da necessidade de uma nova educação para novos tempos. E, como em qualquer liturgia, recebia bênçãos de amigos. Eis aquela que a Nilce me enviou nesse auspicioso domingo de há vinte anos:
“Puxa, 20 anos! Sinto-me honrada por fazer parte deste seleto grupo de amigos. Possa a antevisão da Isis se implementar: *Que volte o tempo suficiente de aquecer, sem tudo incendiar!* E que nele possam incubar as suas outras tantas lembranças, restos de memórias guardadas com desvelo.”
Do amigo Celso, outra benção, esta sob a forma de oração:
“Que São Francisco de Assis visite, apazigue e dê coragem aos corações dos cidadãos brasileiros para fazer o que deve ser feito. 🎵Onde houver ódio, que eu leve o Amor”.
Assim mesmo, com duas semifusas a enfeitar a esperança ativa.
Neste mesmo dia, mas de há vinte anos, os brasileiros torciam o destino do seu país, até então imerso em tempos sombrios feitos de ódio fundamentalista, de egoísmo e mentira.
Em outubro, Darcy voltaria, miai uma vez, a Maricá. Em novembro, estaria em Mendes. Em dezembro, ressurgiria numa Educação renovada por obra daqueles que o celebravam em projetos de uma sociedade mais justa e igualitária.
Ele dissera que havia falhado em tudo o que tentara realizar, mas os seus discípulos iriam completar a obra por ele iniciada e que uma ditadura suspendera.
Esse histórico dia de outubro era, também, o do aniversário de uma discípula de Darcy: a minha amiga Tina. Em Mogi, a Tina e os seus compnheiros de projeto operavam prodígios de indignação ativa.
De uma velha pen drive, religiosamente guardada no meu baú de velharias, respiguei algumas pasagens de uma das suas deliciosas publicações. Vo-las mostro, sob a forma de metáfora.
“Uma lagarta, para ser borboleta, precisa passar pelo casulo, local aconchegante e quentinho, que proporciona um processo de metamorfose obscuro e tenebroso. Sair do casulo é um desafio extremamente doloroso.
A força que a borboleta tem que fazer para sair do casulo é tão intensa quanto necessária. Caso alguém tente ajudar a borboleta a sair do casulo, reduzindo seus esforços, estará a condenando a nunca conseguir voar, pois é no processo de se esforçar, que as asas da borboleta serão expandidas e ganharão força.”
Discorrendo sobre lagartas, casulos e metamorfoses, a Tina deduzia que, se não poderia ajudar os professores a sair do casulo, poderia encorajá-los – “Transformar a educação é uma necessidade urgente”.
E concluía o seu artigo juntando a sutis laivos de ironia, a sabedoria do Edgar:
“A educação deveria mostrar e ilustrar o destino multifacetado do humano: o destino da espécie humana, o destino individual, o destino social, o destino histórico, todos entrelaçados e inseparáveis. Assim, uma das vocações essenciais da educação do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana. Conduziria à tomada de conhecimento, por conseguinte, de consciência, da condição comum a todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra.”
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