Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXLIX)

Várzea Grande, 9 de novembro de 2042

Netos queridos, na Brasília do novembro de vinte anos atrás, decorriam reuniões da “equipe de transição” para um novo governo. Cada dia mais apreensivo, eu ia recebendo notícias do que à Educação dizia respeito. 

Numa revogação do “entulho” (sic), de “atos que impediam avanços que precisavam ser produzidos na Educação”, eu identificava a manutenção do “entulho”. E um pressentimento me assaltava, o de que, ali, não se gestavam novos caminhos para a educação, mas atalhos que a nada conduziriam. 

Mais quatro anos seriam perdidos? Vos contarei o que, entretanto, aconteceu. Por agora, apenas vos falarei de uma das iniciativas de política educacional em que me vi envolvido e que precederam esse tempo de potencial mudança. 

Sete anos antes, embora pensasse que não seria um português a dizer aos brasileiros qual a educação que lhes conviria, o vosso avô aceitou fazer parte do Grupo de Trabalho da Criatividade e Inovação criado pelo ministro Janine.

Em todas as reuniões chamei a atenção para medidas a tomar, antes de divulgar uma lista de escolas consideradas inovadoras. Entre elas, a celebração de termos de autonomia, que conferisse às escolas garantia de estabilidade e possibilidade de escolha. Outras prerrogativas deveriam ser incluídas no termo, mas duas delas se mostravam indispensáveis. 

A inovação matava a inovação. A grande mobilidade dos professores constituía fator de desgaste, pelo que os educadores das equipes de projeto deveriam manter-se juntos por um período nunca inferior a três anos. E as escolas com projeto deveriam poder escolher professores em concurso universal de critérios bem definidos.

178 projetos foram considerados inovadores. Meia dúzia de anos após a publicação da lista, restava meia dúzia. A falta de um termo inviabilizou ou desvirtuou a maioria dos projetos distinguidos pelo ministério. E, mais uma vez, uma nova prática educacional ficou pelo caminho.

Nas andanças pelos brasis das escolas, encontrei a prudência em forma gente, sempre solícita, aconselhando, prevenindo. Escutava esses educadores e refletia sobre os seus infundados receios. Mostravam preocupação com a minha proposta de publicação dos termos de autonomia – “talvez os secretários não permitissem”. 

“O que impede? O que está na lei que permita a um secretário “não permitir”? E a celebração de um termo de autonomia não é feita com um secretário, mas com uma secretaria” – respondia.

Depois de realizada uma avaliação externa à Escola da Ponte e provada que ficou a sua capacidade de agir responsavelmente num quadro de autonomia, foi consagrado o primeiro dos contratos. Com a sua assinatura, a ministra da educação validou um modelo organizacional de escola pública não convencional, reconheceu a possibilidade de a Escola da Ponte se organizar «fora» dos moldes tradicionais. 

Porém, com a alteração da lei da autonomia, banalizou-se o conceito e a prática, e o ministério produziu caricaturas de contratos e, ilegalmente, reduziu a autonomia da Ponte a um residual de direitos insignificantes. A esperança colocada no teor do “enquadramento jurídico (de 1989) se desvaneceu. Sucessivas alterações no decreto da autonomia anularam o seu potencial. O dever de obediência hierárquica se impôs. Os diretores acataram indignas determinações. Mais uma oportunidade de valorização da escola pública se perdeu.

Talvez o Brasil tivesse entendido que não poderia repetir os mesmos erros da velha Europa. E, entre 2023 a 2026, com algumas “correções de rota”, não se confirmaram os meus iniciais receios. 

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