Capim Santo, 5 de fevereiro de 2043
Pelos idos de vinte, a educação sobrevivia imersa numa crise centenária estatisticamente demonstrada, traduzida no pessimismo e no conformismo manifestados pela maioria dos professores.
A comunicação social estava enxameada de referências a “práticas inovadoras”. Eis senão quando, me convidam para um evento anunciado como “revolucionário”. Nele seriam apresentados projetos de novo tipo, fundados nos paradigmas da aprendizagem e da comunicação. Era isso, exatamente, o que constava do cardápio das palestras.
Da curiosidade passei a uma prudente expectativa. Iria participar numa jornada histórica, ou assistir às costumeiras palrações apoiadas em power point?
A expetativa foi traída. Se desfez no final da manhã do primeiro dia do congresso. O palestrante de serviço se dignou dar a palavra à plateia. E o meu mau feitio me fez erguer o braço. Com um sorriso afável no rosto, o palestrante me convidou a usar o microfone. E eu usei:
“Caro senhor, durante esta manhã, tive o cuidado de anotar quantas vezes a palavra “inovação” foi citada – Exatamente, setenta e quatro vezes! – Porém, muito muitas mais vezes, ouvi falar de “sala de aula” e me inquietei. Também escutei da boca da maioria dos ilustres palestrantes a expressão “escolas inovadoras”. Exatamente, dezoito vezes. E me aquietei.
Sempre que ouço falar de novas práticas, vou procurá-las. Peço-lhe que me indique o endereço de, pelo menos, uma das “escolas inovadoras”, a que se referiu na sua palestra, para que eu possa visitá-la.
Seguiu-se uma breve e intensa discussão, durante a qual, o palestrante “meteu os pés pelas mãos” e não conseguiu dar-me a informação solicitada.
Perante o inesperado pedido de endereço de uma “escola inovadora”, o palestrante invocou absurdos como a “aula invertida”. O seu semblante se alterou e do sorriso inicial passou para um esgar de sofrimento, quando insisti na pergunta:
“Onde estão as tais “escolas inovadoras”?
A breve altercação foi interrompida pelo corte do som do meu microfone.
Apesar de indignado, nutri compaixão por aquele ser humano e convidei-o para almoçar. Conversamos, ficamos amigos e as nossas conversas presenciais e virtuais me ajudaram a ir mais fundo na compreensão do drama daquele “doutor em educação”.
Vivíamos num tempo em que “doutores” e “especialistas” exibiam teoria balofa nos palcos dos congressos e vendiam paliativos instrucionistas publicitados por abútricas empresas. Falava-se de algo inexistente. Dissertava-se sobre um objeto de estudo que só existia nas cabecinhas dos teoricistas
Quando se falava de inovação educacional, do que estaríamos a falar?
Inovação era uma palavra banalizada, um conceito maltratado, como pude comprovar no decurso de uma visita a uma “escola inovadora”.
Era uma escola “recomendada” por uma organização que lhe tinha conferido visibilidade social. Nada vi de extraordinário por lá. Muito menos vi algo que se assemelhasse a uma inovação.
À saída, observei o mau estado em que se encontrava aquilo que teria sido uma das “inovações” divulgadas por aquela escola, no ano anterior: uma horta.
O que restava de plantio estava seco, mirrado, coberto de poeira. Pensei que fosse efeito da inclemência de um tempo de seca, ou resultado de uma praga, mas a senhora diretora esclareceu:
“Nós tínhamos o projeto da horta como o principal projeto, no ano passado. A televisão até veio aqui filmar.”
“Que aconteceu” – quis saber.
“Aconteceu que, neste ano letivo, o professor, que trouxe esse projeto para cá, foi para outra escola. E levou o projeto com ele.”
Por: José Pacheco
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