Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXXIX)

Jaconé, 20 de março de 2043

Netos queridos, há exatos vinte anos, o vosso avô partia para a CONANE de Brasília e o Mestre Pedro partia (virtualmente) de Brasília ia para terras do sul, para partilhar sabedoria. 

Eu admirava o Mestre Pedro porque ele só discutia assuntos sérios. Sabiamente, ficava alheio a querelas estéreis sobre novos ensinos velhos. Sabia da inutilidade do debate, tinha consciência de que o Ensino Médio era uma das manifestações da praga instrucionista, era mais uma aberração do sistema de ensinagem. 

Não resisto a recuperar uma estória, há muito tempo contada, para que possais avaliar da qualidade do Ensino Médio que, então, se fazia.

Sempre gostei de estudar. Frequentei a universidade em licenciaturas como a de Línguas e Literaturas, Antropologia, Arqueologia e até Relações Internacionais. No acesso a um dos cursos, calhou de ter de fazer uma disciplina das chamadas humanísticas. Escolhi Filosofia e me matriculei numa escola de Ensino Médio. 

Tal como a maioria dos professores do Ensino Médio, a docente da disciplina não sabia que ser filósofo era uma coisa, ser professor de filosofia era outra coisa. Com a maioria dos seus colegas, ignorava que ser licenciado ou doutorado em Filosofia não era condição bastante para se ser professor de Filosofia, não sabia ser professora – ela “dava aula.

À entrada para a primeira aula, um jovem avisou-me:

“Eu sei que o senhor trabalha numa escola diferente. Mas, aqui, não pode falar, nem interromper a aula”.

Fiz, exatamente, o contrário da recomendação. Ainda a aula ia no início e já eu erguia o braço, pedindo a palavra. Esperei, esperei, até que a professora, jocosamente, me dirigiu a palavra:

“Diga! Quer ir lá fora, é? Quer ir ao quarto de banho?”

“Não, minha senhora” – respondi – “Quero que a senhora me explique o que quis dizer com a expressão…”

Interrompeu-me a fala. E disse:

“Fique sabendo que, aqui, é bico fechado. Nunca mais me interrompa a aula! Ouviu?”

Face à gargalhada geral, urdi “vingança”. Acabada a aula, fui à Biblioteca e à Sala dos Professores. Já adulto, creio que os professores, que por lá estavam, supuseram que eu fosse um colega e permitiram que consultasse a programação das aulas da professora de Filosofia. Em casa, anotei num papel algumas frases do Ortega & Gasset, que seria o assunto da aula do dia seguinte. E voltei a erguer o braço…

“Outra vez? Eu não lhe disse que não gosto de ser interrompida?”

“Eu sei, minha senhora, mas só queria fazer um comentário a algo que a senhora disse”.

“Um comentário?! – gargalhou – “Diga lá! Deve ser alguma besteira…”

Estrábico que sou, com o olho direito olhando a professora e o esquerdo fixado num papel, li uma das frases do Ortega & Gasset. A reação não se fez esperar. Ainda não havia concluído a leitura, fui interrompido:

“O que você disse é uma grande besteira. Mais valia estar calado!”

“Não fui eu quem disse a frase. Foi Ortega e Gasset. Está no livro didático” – repliquei – “A senhora acha que o filósofo dizia besteiras?”

O que, a seguir, aconteceu talvez vos conte em próxima cartinha. Mas já vos digo que não foi edificante.

Por ora, vos direi que também havia quem, por impotência, desistisse do árduo trabalho do Fundamental e do Médio e se isolasse em torres de marfim universitárias. 

Instalados no “superior”, produziam e vendiam livros, onde teorizavam teorias de teóricos que teorizavam teorias. Os seus inflados egos se exibiam em palestras, nas quais aconselhavam os seus ex-colegas do “Inferior” a fazer o que eles próprios não sabiam como fazer. 

Também a esses impotentes pedagógicos, eu perguntava: 

Por que existe ensino médio?

 

Por: José Pacheco

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