Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXVIII)

Vale Formoso, 28 de abril de 2043

Ficastes surpreendidos, quando vos mostrei outra faceta das missões jesuíticas no Brasil. Compreendestes que, ao invés de fazer precipitados juízos de valor, deveremos situar as obras e as gentes nas suas épocas, tentar entender limites de ação. 

O Brasil é um país peculiar, devido a um conjunto de razões históricas, culturais e geográficas, que o moldaram numa identidade única, por vezes, difícil de definir. O Brasil dos idos de vinte, resultante da mistura de influências culturais, de uma vasta extensão territorial e da complexidade de uma sociedade culturalmente rica, era um país fascinante, mas afetado por problemas profundos que, comprometiam o seu futuro. Entre os problemas do domínio educacional, avultava a síndrome do vira-lata, aliado a uma neocolonização de origem anglo-saxônica e a morte da memória.

Os educadores brasileiros desconheciam o imenso patrimônio legado por inúmeros pedagogos, sobretudo, escolanovistas. Estudavam Piaget e ignoravam Lauro. Dissertavam sobre Montessori e se esqueciam do Agostinho, que a tinha traduzido para o Brasil. Adulava Dewey, desprezando Dória…

As obras de Sampaio Dória nem em sebos aparecia e pouco se sabia sobre o trabalho realizado na “Escola Normal da Praça”. 

Foi um educador muito à frente do seu tempo. Triste sina a dos corajosos educadores, que apontam caminhos novos. Dória viu suprimida a sua liberdade, quando recusou ler nas suas aulas o texto da Carta de 1937 e quando participou nas manifestações contra o regime. Foi, sumariamente, demitido e exilado.

No começo da República, a Educação era um apêndice do Ministério dos Correios e Telégrafos e Dória não hesitava na crítica de tal situação: 

“Os propagandistas da república se contentaram com bem pouco. Montaram uma esplêndida e faustosa máquina, mas esqueceram de cuidar do motor inicial, de onde lhe poderia vir a energia de vida. Hoje, temos uma fachada decorativa da democracia. 

O Brasil, repleto de riquezas latentes, só será realmente uma nação poderosa e triunfante, se os seus governos primarem no propósito, decisivo e obstinado, de alfabetizar o seu povo, acabrunhado e murcho, numa indiferença que apavora.

O monstro canceroso, que hoje desviriliza o Brasil, é a ignorância crassa do povo, o analfabetismo que reina do norte ao sul do país.” 

Os escritos de Dória sobre analfabetismo datam de 1918! E a sua visão de futuro viria a culminar na criação das “escolas de alfabetização”. Sabia que o “método” era bem mais do que uma questão de organização do ensino, sendo a expressão de mudanças culturais profundas. 

Criticava a alfabetização que começava pelas letras, depois pelas sílabas, em seguida pelas palavras, porque cometia “o crime de alhear a criança, desde cedo, das realidades que a encanta.” Mas, nos idos de vinte, ainda se alfabetizava ensinando todos do mesmo modo, como se de um só ser humano se tratasse, recorrendo, predominantemente, à metodologia que Dória criticava.

Dória procurava o justo equilíbrio na relação pedagógica, não considerar o aluno como ser passivo, centrar a aprendizagem na relação. Para o conseguir, tentou fundar uma faculdade de educação, mais um projeto que não saiu do papel. 

Na sua obra “O que o cidadão deve saber”, publicada em 1919, realçava as qualidades e a visão de outros brasileiros, como Rui Barbosa, para sublinhar a necessidade de educar no exercício de uma cidadania responsável. 

“Não há nada mais a fazer, além de educar civicamente o povo para o futuro, disseste. Quando alguém aprende a dançar, não adianta nada o mestre dançar por ele.” 

 

Por: José Pacheco

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