Faro, 30 de abril de 2043
Assim poetava o Drummond:
“Deus que livre vocês de uma escola em que tenham que copiar pontos.
Deus que livre vocês de decorar sem entender, nomes, datas, fatos…
Deus que livre vocês de aceitarem conhecimentos “prontos”,
mediocremente embalados nos livros didáticos descartáveis.
Deus que livre vocês de ficarem passivos,
ouvindo e repetindo, repetindo, repetindo…
Eu também queria uma escola que ensinasse a conviver,
a cooperar, a respeitar, a esperar,
a saber viverem em comunidade, em união.”
Em comunidade! Não vos esqueçais!
Algo me inquietava, quando observava efeitos das preces de Drumond e da proposta do seu contemporâneo Lourenço, de que já aqui vos falei. Na “literatura especializada” sobre comunidades de aprendizagem, publicada nos idos de vinte e que serviam de inspiração para a criação de “comunidades alternativas”, abundava a expressão “sala de aula”. E eu me perguntava:
Esses estudos referir-se-iam a “comunidades de aprendizagem”, ou a “comunidades de ensinagem”?
Os últimos dias de abril da minha última viagem de trabalho a Portugal (para não variar) foram ocupados com encontros de pais e professores. Depois, o amigo Nora ficou com a incumbência de organizar o bom povo dos Algarves e eu abalei para o Norte. Por essa altura, no velhíssimo WhatsApp, o amigo Bernard lançava mais um dos seus reptos:
“Vamos fazer um teste: o que vocês preferem: proibir o vinho ou proibir as escolas sem aulas?”
O amigo Valdo assim respondia:
“Eu prefiro “não proibir nada”. As proibições que vivi, já foram suficientes. Hoje sou do viver”.”
E Bernard insistia:
“O Afeganistão já fez uma reforma radical do ensino feminino: proibiram não apenas as aulas, mas a própria escola.”
E o amigo Celso acorria:
“Do ponto de vista teórico-metodológico, há três dimensões básicas a serem consideradas em qualquer Atividade Humana: Análise da Realidade (onde estamos), Projeção de Finalidades (para onde queremos ir) e Formas de Mediação (o que fazer para sair de onde estamos e caminhar para onde queremos ir).
Atualmente, parece-me, há uma “síndrome de inovação” com foco muito forte na mediação, no que fazer, nas metodologias.
O problema é que se tem feito isto sem se dar a devida atenção à finalidade, ao sentido, à intencionalidade da escola. Ao fim e ao cabo, o que desejamos com nosso trabalho na escola?
Certamente, esta resposta está atrelada a outras duas: que Ser Humano queremos ajudar a formar e para que Sociedade?
A questão da Intencionalidade é decisiva.
Preocupa o déficit de Utopia que estamos vivendo.
Aquela frase atribuída a Einstein (“Nossa civilização é rica de meios e carente de fins”) é mais atual do que nunca!”
Palavras sábias, sem dúvida. Outra coisa não seria de esperar desse e de outros amigos. Mas, sempre que vinha à baila a questão das “finalidades”, “fugiam para a frente”, por lhes faltar a caução de uma prática coerente. Enredavam-se em exercícios de erudição, que, para além de se constituírem numa amálgama de conhecimentos que não se articulavam orgânica e criticamente, contraditoriamente, acabavam por contribuir para o reforço do “déficit de Utopia”.
O vosso avô sofria a bom sofrer por sentir que aqueles extraordinários educadores também padeciam da cegueira social de que Saramago nos falara, apelando ao dever moral daqueles que enxergavam, daqueles que, podendo ver, optavam por recusar ver.
Que estranha “cegueira” era aquela! Por que razão os companheiros das ciências da educação continuavam a falar de “sala de aula”, se o Pedro, o Nóvoa e outros mestres já tinham decretado a sua extinção?
Por: José Pacheco
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