São Pedro da Cova, 5 de maio de 2043
No maio de há vinte anos, abrindo o primeiro dos “congressos de educação” de Amarante, o representante do ministério afirmou ser necessário encontrar respostas para os problemas do sistema de ensino, não de modo opinativo (o do “acho que”), mas fundamentadas.
O mesmo havia sido dito pelo Ramon:
“A Educação precisa ser mais científica”.
Responsável pela pesquisa Includ-ed, o Ramon propunha uma educação democrática, baseada em evidências:
“O que estamos fazendo nas escolas ao redor do mundo tem melhorado efetivamente os resultados educativos de meninos e meninas?
Há muitos projetos de inovação que são apresentados como teorias. Mas precisamos nos perguntar se estes resultados que nos apresentam têm melhorado a Educação em algum lugar. O que estamos fazendo em nossas escolas está validado cientificamente, ou não?”.
Não irei tecer comentário sobre o mérito da proposta do Ramon. Apenas direi que se ela provou ser um equívoco, quando passou do teoricismo dos gabinetes da universidade para o praticismo do chão das escolas, quando o científico sucumbiu aos tratos de polé, que burocratas e formadores lhe infligiram. Na prática, a comunidade de aprendizagem foi uma caricatura dos admiráveis princípios de aprendizagem dialógica.
Como diria Piaget, a Educação era a única área das ciências humanos em que qualquer cidadão se achava com o direito de “dar palpite”. E os projetos provindos da universidade, quando baseadas em ocorrências perdiam validação científica – as chamadas “atuações educativas” eram aquelas que uma escola sem autonomia permitia praticar.
Quando, na Ponte, elaboramos a nossa matriz axiológica, a palavra “Liberdade” se assumiu como valor central. Cedo chegamos à conclusão de que seria difícil operacionalizá-la. Ernst Gotsch dissera que Liberdade consistia em poder participar de processos de co-definição e de co-criação da vida. Aplicando o raciocínio ao contexto escolar, optamos por falar de… Autonomia.
Compreendemos que a autonomia era um conceito relaconal, o auto-reconhecimento pelo sujeito das suas inevitáveis dependências relativamente à multiplicidade e complexidade do mundo envolvente, bem como do seu mundo interior.
De imediato, concluímos que dando aula jamais poderíamos desenvolver autonomia. E lá se foi a sala de aula para o museu da pedagogia. O exercício da autonomia passou a conferir dignidade ao ato educativo, ao não considerar o aluno como mero objeto de ensinagem, mas como sujeito de aprendizagem.
Se a liberdade era um fim, ela deveria ser, também, um meio privilegiado de educação. Mas o que era, concretamente, a liberdade de uma criança?
Olivier Reboul dizia que a psicologia não poderia responder, porque não havia uma ciência da liberdade, dado que esta estava para além de todos os determinismos. A psicologia só poderia dar-indicações sobre as condições e os obstáculos de uma educação para a liberdade.
Urgia produzir uma “gramática da liberdade”, mas o seu ensino não passaria tanto por uma didática específica, quanto por uma gramática que explicasse as transformações.
Concluirei com as sempre sábias palavras de Morin:
“O sujeito emerge ao mesmo tempo que o mundo, a partir da auto-organização, onde a autonomia, individualidade, complexidade, incerteza, ambiguidade se tornam quase caracteres existenciais.”
Como corolário de tais reflexões, não me cansava de recomendar aos educadores, que participavam dos encontros de sábado, que, sem demora, negociassem com os ministérios e adjacências contratos e termos de autonomia.
Por: José Pacheco
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