Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXXVI)

Amarante, 6 de maio de 2043

Quando o ministro Renato me perguntou se a inovação surgia sempre da periferia do sistema, respondi que, quase sempre, partia da escola e do centro do sistema. E que aquelas que escapavam a essa regra acabavam por ter os dias contados. Lamentavelmente, vi perder-se sonhos e energia em iniciativas que não cuidaram de negociar contratos e termos e assegurar a autonomia dos seus projetos.

Nesse tempo, amigos de longa data comentavam realidades contraditórias da escola pública e diziam haver “avanços”, repetindo o jargão de antanho: 

“A educação formal tem um poder e papel fundamental na construção de possibilidades equalizadores na vida social. Mas, por que não mudam as práticas? Por que mudam tão pouco? Por que as mudanças não perduram?” 

Numa manhã de sábado, conversando com educadores amarantinos, senti-me regressado aos anos setenta. Era gente capaz de operar mudança e, quiçá, também inovar. Mas pecavam pela timidez. Felizmente, as inquietações que por lá deixei permitiram que alguns corajosos se juntassem aos educadores dos encontros das manhãs de sábado.

Ao cabo de mais de cinquenta anos, eu não conseguia entender os medos, as hesitações, as fugas para a frente. E resolvi partir com aqueles que não fugiam. 

Perdoai que as próximas cartinhas assumam um tom, mais ou menos, didático. Enviar-vos-ei pedaços de texto partilhados com educadores que “faziam a hora e não esperavam acontecer”. Foram escritos “teóricos”, que viriam a constituir-se numa base de fundamentação científica do projeto das comunidades.

Referem-se à criação de círculos de aprendizagem. Em 2043, sabemos da importância desse movimento, mas, nos idos de vinte, o teoricismo reagiu com estranheza. E não faltou quem o detratasse. No meu jeito de pergunta e resposta, a construção teórica começou deste modo (citarei palavras minhas escritas na primeira década deste século):

“Como poderia surgir um círculo de aprendizagem?

Em auto-organização, a iniciativa poderia partir de pais, professores, gestores, administradores, tomando formas diversas, entre as quais a do círculo de proximidade e o círculo de vizinhança.

Por que aprender em círculo de aprendizagem?

Os círculos são dispositivos de formação criados na espontaneidade da iniciativa de atores-autores sociais locais, contrapontos das insuficiências de dispositivos de aprendizagem tradicionais. 

Qual a definição do conceito?

Assim como as ciências da educação justificam maior visibilidade social, o círculo merecerá o reconhecimento do seu potencial formativo.  Ainda são estruturas frágeis, semimarginais ao universo de contradições em que se transformou o sistema de ensinagem.

Aplicado à formação de professores, Vaalgarda e Norbeck definem-no como “grupo reduzido de pessoas que se reúne para discutir em conjunto, mas sem professor, uma matéria, de forma organizada”.

Os círculos de aprendizagem agem como dispositivos de análise das condições do exercício da profissão de professor. 

Um círculo de aprendizagem é um ecossistema de relações e mudanças simbólicas gerador de significado para a mudança pessoal e das práticas, em equipe. 

A aprendizagem acontece numa sobreposição de interrogações críticas inseridas em contextos coletivos, em comunidade, pois toda a relação formativa é uma relação entre culturas no desiderato da elaboração de uma cultura específica. 

A elaboração da cultura-círculo subordina-se a critérios como o da afinidade de interesses, a afetividade, a visão de mundo, valores comuns, proximidade territorial.”

(continua)

 

Por: José Pacheco

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