Póvoa de Santo Adrião, 13 de maio de 2043
Concluirei nesta cartinha as referências ao Mestre Eurípedes.
Em 1904, o jornal “A Gazeta” comentava as “recentes reformas” na educação:
“A habilitação do professor vale mais que os pomposos programas oficiais, que atualmente fazem o orgulho dos docentes e a ignorância dos meninos.”
E questionava:
“Que remédios sociais podem ser apresentados como mais eficazes e prontos para dar-se um enérgico combate ao analfabetismo no Brasil?”
Cento e vinte anos depois, o sistema de ensinagem continuava em demanda da “quadratura do círculo” da educação.
Eurípedes ansiava por uma escola gratuita, acessível a toda a comunidade, rompendo com a ideia de um aluno passivo diante do conhecimento e submisso a uma disciplina rígida. Substituiu o ensino verbalista pela arte de observar e apreender o mundo e foi audaz, quando tentou coeducar.
“Onde já se vira moços e moças juntos?” – questionavam clérigos e barões.
A imprensa da época, controlada pelos poderosos, não deu tréguas ao seu intento, que somente viria a concretizar-se, três décadas decorridas, na gestão do Capanema.
Aboliu castigos e instituiu relacionamentos baseados no diálogo, contrariando “moldes pedagógicos” autoritários vigentes na época. Os alunos de Eurípedes praticavam observação e pesquisa na cidade e na natureza. Não recorria a provas, exames, para avaliar. Muito menos a classificações, a comparar pessoas. Providenciou a derrubada de paredes e daquelas que são internas, promovendo debates semanais abertos à comunidade.
A sua proposta educacional só poderia ter por sina a contestação daqueles a quem interessa manter um sistema de ensinagem iníquo, que iria prolongar a sua agonia até à década de trinta do século XXI.
Alcunharam de elitista o seu labor pedagógico, só porque recorria a “métodos dinâmicos de aprendizagem”. E a sua proposta teve a mesma sorte de outras tentativas de humanização, foi banida da história oficial da educação. O dogmatismo ideológico não consentia veleidades e a história da educação sempre foi feita de martírios silenciados.
No Colégio Allan Kardec, os alunos praticavam Astronomia, o estudo da (e na) Natureza, em aulas-passeios, muito antes de Freinet. No ano em que desencarnou, escrevia o seu aluno Germano:
“Conversávamos, estudávamos bons livros e admirávamos a natureza, admirávamos o voo dos insetos, o cantar dos pássaros e de preferência de um sabiá de laranjeira, que vinha pousar nos galhos baixos das árvores e encher o ar com sua melodia, esse era o predileto do professor.”
Aqueles jovens aprendiam a pensar e a questionar, como nos disse a Corina: “Eurípedes não queria alunos que obedecessem cegamente, mas que aprendessem a criticar, a questionar e a pensar.”
Desencarnou no fatídico 1918, ano em que a febre amarela ceifou milhares de vidas no triângulo mineiro. Restaram os depoimentos dos seus discípulos. O seu aluno Tomás viria a ser professor do Roberto Crema, reitor da Universidade Internacional da Paz, estudioso da Normose, a patologia da normalidade.
Foi terreno fértil aquele que Eurípedes desbravou em Sacramento. O “Pestalozzi do Brasil” acreditava que escola poderia ser agente transformador da sociedade. Nos depoimentos dos seus alunos, apercebemo-nos de que transformou a escola, a partir de um novo conceito de criança e de aprendizagem, da modificação do papel do professor, da reconfiguração dos tempos e espaços pedagógicos, da reorganização escolar, da reelaboração cultural, que antecedeu, em mais de cem anos, o aparecimento de… comunidades de aprendizagem.
Por: José Pacheco
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