Olival Basto, 15 de maio de 2043
Neste Ano da Graça de quarenta e três, escrevo para relembrar esquecidas viagens a Portugal. Sobretudo aquela que fiz há vinte anos. Nessa altura, quase perdera a esperança de encontrar quem atendesse à necessidade de se melhorar melhorando a vida das crianças. Mas, por toda a parte, boas surpresas me esperavam.
Chegado às sedes de agrupamentos de escolas, era frequente que o diretor me perguntasse:
“Professor, lembra-se de mim?”
Eu não me lembrava…
“Fui seu aluno na faculdade.”
Eram professores à volta dos cinquenta anos, em cargos de direção, dispostos a cumprir sonhos de juventude. E eu os ajudava.
Outros diretores e professores, que fiquei a conhecer no decurso dessa viagem, faziam parte de uma nova geração, igualmente decidida a mudar o rumo da educação do seu país.
Quando visitava uma escola, procurava um professor “que ainda não tivesse morrido”, um que fosse já valeria a pena o cansaço de muitas procuras. Na Escola Manuel da Maia, muitos vivos encontrei. E me emocionei com um quase inesperado reencontro com a parte saudável do sistema.
Na Manuel da Maia, voltava a acreditar nos professores. Ao cabo de meio século, sentia que valera a pena não desistir de procurar. Volvidas sete décadas sinto-me devedor, pois nunca paguei uma dívida de gratidão.
Sinto-me orgulhoso da amizade e grato pelo acolhimento fraterno entre as casas da Maria e do Vasco, do António e da Elisa, do Luís e da Filipa, da Andreia e do Paulo, e de centenas de amigos e companheiros, que ajudaram a preparar uma vida futura auspiciosa para a Francisca, o Rodrigo, o Vasco e os netos do António.
Aquele não eram mais um momento de reflexão sobre a escola, mas sobre a vida. De rever conceitos, de determinar a origem de chagas sociais, de acabar com as “turmas difíceis” e o “ruído do intervalo”. Já não estava ali para escutar queixas e reclamações do aluno que se comportava mal, ou que tinha faltado o gás…
A Ana, a Magda e os seus alunos prepararam um delicioso bacalhau regado a vinho tinto. Partilhamos o alimento e conspiramos. Da funcionária anónima ao presidente da associação de pais, da empregada da pastelaria ao guarda do portão da escola, já não se tentava sensibilizar ou convencer. Tinha passado mais de meio século e “explicar” a Escola da Ponte a milhares de professores. Dessa vez, ia ao encontro de professores, pais e vizinhos, para FAZER ACONTECER.
Numa manhã de sábado, antes da partida para Leiria, o Auditório Camões acolheu educadores esperançosos e decididos a empreender mudanças, em harmonia com os versos do poeta:
“Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades
E, afora este mudar-se cada dia
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.”
Seres incompletos que somos, estaremos, inevitável e permanentemente, mudando. Se o professor não se regenerasse, se não se interrogasse, se não encontrasse motivo para um projeto de transformação pessoal, se não pesquisasse, o aluno não aprenderia a construir projetos mediados pelo professor, não aprenderia a planejar-se, não aprenderia a elaborar roteiros de pesquisa, nem a produzir e a partilhar conhecimento. Manter-se-ia cativo de um inútil decorar matéria, para colocar em teste, obter uma nota e esquecer. Não aconteceria… uma nova construção social de aprendizagem.
De nada valeria acreditar que se sabia algo, se o saber não fosse partilhado, se não houvesse atribuição de sentido. Se não existisse diálogo, vínculo amoroso entre aprendizes, a aprendizagem dificilmente aconteceria. Uma escola não era um prédio, era relação humana.
Por: José Pacheco
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