São Cristóvão, 28 de junho de 2043
Na véspera do 27 de junho de há vinte anos, a Caetana me ligou, dizendo ter descoberto um professor que ainda não tinha morrido. Na manhã seguinte, bem cedo, que a tarde seria de mais de 40 graus, com a Cristina, a Maria e o Leandro, abalei para São Cristóvão, ao encontro do Nuno e dos seus jovens alunos.
O Nuno explicou a opção por aquele lugar. E, se a Lei de Bases propunha que o professor residisse na comunidade onde exercesse o seu múnus profissional, o Nuno estava a pensar ficar por lá. Tinha passado por escolas-presídios, na região de Lisboa, e até tinha pensado em desistir de continuar professor. Felizmente, ainda estava vivo.
Apresentou-nos os seus alunos, um a um. O Rafael, um exímio domador de cavalos. O André, um promissor rapper. A Alice, de quem diziam ser mentirosa, mas que apenas era imaginativa. Nas paredes, pinturas feitas pelas crianças. No ambiente, a proverbial amorosidade alentejana.
Os “finalistas” do quarto ano só falavam de despedidas. No ano seguinte, deveriam viajar, diariamente, quarenta quilómetros para ir fazer o quinto ano na sede do município.
“Porquê?” – perguntei – “Por que terão de ir para a sede do município? O que irão aprender por lá que não possam aprender aqui?”
“Nada” – foi a resposta.
“Então…?”
A aldeia dispunha de uma seleta equipe de formadores: a Dona Joaquina, que sabia usar ervas medicinais, e outros “especialistas em saberes locais”, habitantes habilitados com tecnologias sociais ajustadas ao meio, professores aposentados, que desejavam continuar a ensinar… Até o Leandro, professor de música, colocou a hipótese de ir para lá morar.
Então, por que carga de água as crianças seriam forçadas a viajar?
“Aqui, é só até ao quarto ano. Já foi até ao sexto. Mas, agora, só podem ficar até ao quarto. No próximo ano letivo, terão de ir para Montemor.”
“Quarto ano”, “quinto ano”, “sexto ano”, a costumeira segmentação cartesiana. Sendo a escolaridade organizada em “ciclo”, de ciclo quase não se falava.
O Rafael disse que preferia ficar com os amigos. E eu perguntei a professores e a gestores por que razão teria o Rafael de sair da sua terra? Por que não ficavam ali os alunos do segundo e terceiro ciclo? E os do Secundário? E até os universitários!
Se, ao longo do ano letivo, precisassem de ir ao “centro de interpretação” ou a uma sessão de teatro, o “transporte escolar” os levaria. A propósito: escrevi “ano letivo”, mas por que havia “ano letivo”? A inteligência parava de funcionar em junho e voltava a funcionar em setembro?
O amigo Matias me enviara um texto produzido, em dezembro de 2016, por um “aluno triste do 9º ano”. Tinha por título “The dark side of de moon”.
“Até ao 8º ano, era um aluno que passava sempre com uma ou zero negativas. A primeira vez que reprovei foi no oitavo, com 4 negativas, foi a partir daí que comecei a ficar sem um bocado de interesse.
Mas, na segunda vez no 8º ano, lá consegui passar.
No ano a seguir, a primeira vez no 9º ano. Reprovei outra vez por culpa minha, porque não queria saber da escola, reprovei com sete negativas.
Agora é a segunda vez no 9º ano. Entrei bem o período com interesse nas disciplinas, mas agora já estou a perder um bocado o interesse nas disciplinas. Quando começar o 2º período, vai começar muito diferente de como acabou o 1º período. O que me levou a ficar sem interesse pela escola foi por alguns professores do ano passado, que estavam sempre a reclamar comigo. E também estava desanimado, por causa de já ter reprovado uma vez.”
No dia seguinte à nossa ida a São Cristóvão, aconteceria uma “mutação genética” do sistema. Amanhã, disso vos falarei.
Por: José Pacheco
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