Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXCVI)

Porto Seguro, 15 de julho de 2043

O Rómulo pediu, por favor, que eu comentasse “sobre os eventos recentes envolvendo as escolas cívico-militares”. 

Quando, nos idos de vinte me pediam para falar desse tipo de escolas, eu respondia que só comentava assuntos sérios e me remetia ao silêncio. Mas, distantes duas décadas desse estranho fenômeno, sem qualquer resquício de favor, o comento.

O amigo Tião comparava o modelo educacional subjacente a essa infeliz iniciativa política a um “serviço militar obrigatório”, a partir dos seis anos de idade. Era certo que o “campo de batalha” em que a escola da aula se transformara se abria para a remilitarização da ensinagem. Remilitarização, porque a escola tinha por origem remota a escola prussiana do século XVIII. 

Ela fora concebida no início da Primeira Revolução Industrial, correspondendo a necessidades sociais da Prússia Militar. Por volta do século XVIII, um país que já nem existe, chamado Prússia, precisava de um exército forte, para o unificar. O seu imperador decretou “o ensino militar obrigatório aos cinco anos”. As crianças foram confinadas em casernas a que deram o nome de escolas, que cultivavam uma rígida disciplina e seguiam um regime autoritário usuário de severas punições. Obedientes a um regime disciplinar inquestionável e respeitadores de uma hierarquia imposta, os jovens eram treinados para a guerra. 

A remilitarização da escola partia de princípios idênticos àqueles que lhe deram origem. As crianças eram manipuláveis, meros objetos de ensinagem, formalmente obedientes a inquestionáveis ordens. A convivencialidade humana fundada numa relação humana vertical, as cadeiras enfileiradas, as filas, o toque de entrada e saída de espaços de confinamento governados por regras impostas arbitrariamente, foram criações do tempo imperador, desencadeando a normatização do ensino. 

Dado que a aprendizagem acontece por imitação e pelo exemplo, bonsais humanos ignoravam a existência de uma educação humanizadora e impunham a escola da violência simbólica, “militarizada”, a mesma de que tinham sido vítimas. Erguiam-se e reforçavam-se muros e grades, e as escolas eram entregues à guarda de militares. Promovia-se o reforço policial, eram construídas mais prisões (um preso ficava quatro vezes mais caro do que um aluno de escola pública).

Na sociedade dos idos de vinte, cativa da inversão de valores, vivemos o pesadelo da criação dessas nefastas escolas, apoiadas por gente padecendo de menoridade cidadã, que confundiam autoridade com autoritarismo.

A absurda remilitarização das escolas teve vida breve. Embora tenham ficado restos do absurdo “sistema”, debelada a crise democrática, os militares começaram a regressar aos quartéis, e a educação voltou às escolas. 

Talvez os professores tivessem aprendido a lição. A escola nascera “militarizada”. Os professores dos séculos XVIII e XIX não sabiam que a autoridade não rimava com autoritarismo. Mas, os educadores do século XXI deveriam saber que a escola não deveria preparar para a cidadania, que aprendemos no exercício da cidadania, onde cabem uma liberdade responsável, a autodisciplina, na verdadeira disciplina, e que estas não resultam de imposições e submissões. 

Assumindo a autoridade que lhe era outorgada (não confundir com autoritarismo), já havia educadores praticando dialogia, desocultando perversos modos de relação. O autoritário instrucionismo (escolar e militar) deu lugar à edificação da utopia: uma escola onde não imperasse a ordem imposta, mas prevalecessem a dignidade e a liberdade.

 

Por: José Pacheco

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